Bem, além do relógio ter de ser fabricado da Alemanha, o que "define" um relógio como "alemão"? Quais são as características que numa rápida olhada, assim como períodos nas artes, como pintura, arquitetura, etc, define um item como pertencente a uma certa categoria?
Conforme narrado no meu texto sobre a história da relojoaria alemã (
http://relogiosmecanicos.com.br/curiosidades/no-coracao-da-relojoaria-alema/ ), Adolph Lange iniciou toda indústria em Glashutte com o patrocínio governamental, com o intuito de desenvolver uma região que, outrora próspera em virtude da mineração de prata, estava extremamente empobrecida.
Atualmente, quando pensamos em relojoaria alemã, o nome Lange nos vem imediatamente na cabeça, mas muito mais pela atual fábrica de patrão do que pelo homem. Pior. Temos a tendência de esquecer que Lange não foi sozinho para Glashutte e, também como narrado no meu texto, não produzia seus relógios completamente numa fábrica apenas. Assim como na Suíça, a divisão de trabalho entre especialistas sempre foi a tônica da indústria alemã.
Em Glashutte, os projetos de movimentos eram compartilhados entre todas as fábricas, como Union, Lange, Assman e Grossmann. O que tinham em comum? Número de série de ebauches, não da produção de cada marca (o que torna a classificação dos relógios alemães antigos diferente da Suíça, por exemplo, onde cada fábrica tem seu próprio número de série), e fabricação e projeto de apenas um construtor: Grossmann.
Mas poucos se lembram ou sequer sabem disso. Tendem a imaginar que, no passado, antes do ressurgimento da relojoaria alemã "moderna", os ebauches usados pela Lange eram próprios. Não eram...Tudo Grossmann.
E foi Grossmann que, ao evoluir seu ebauche básico, criou o que viria a ser definido como características de um relógio alemão.
- Platina 3/4 (ou 2/3, como queiram) com corte reto e meia lua para acomodação do balanço;
- Suporte do balanço de formato característico, como motivo também característico desenhado a mão;
- Regulador de precisão;
- Rubis apoiados em chatons de ouro, mas não qualquer chaton. Devem ser proeminentes (algo que, por exemplo, não tenho visto na indústria alemã...);
- Acabamento frosted em ouro ou "invertido" (prata na maior parte, dourado nas bordas);
- Cliquè com formato de "dedo", mola de tensão externa e retorno de tensão para a corda;
- Triplo raio de Sol na rochet.
Fotos dizem mais do que texto. A foto a seguir, que tirei agora do volume 4 do livro de Herbert Dittrich, mostra a evolução dos calibres de Grossmann do início dos anos de 1850 até sua conformação final, em meados de 1860. Observem como os calibres passaram de uma ponte grande superior na platina até chegarem na conformação final, que ficou caracterizada como característica de relógio alemão. O último modelo é um Lange, ebauche Grossmann, com aquele padrão invertido de cores que falei, ao invés do frosted em ouro (desloquem a página ao final ou abram a foto, que está em tamanho grande para ficar centralizada).
Observem agora nesta foto como três fabricantes diferentes (Lange, Union e Grossmann) usavam exatamente o MESMO ebauche Grossmann, alterando apenas o escapamento e, no caso do cronômetro de bolso Grossmann (modelo abaixo), o sistema de carga.
Está bem Flávio, e daí? E daí que já devem ter percebido que todas as fábricas alemãs possuem elementos de um "clássico" desenho alemão em seus relógios. Mas todos os elementos? Só lembrava do Marco Lang... A Lange, por exemplo, em que pese toda sua expertise, usa folheado a ródio em seus relógios, com "glashutte ribbing" (assim como a Nomos), algo que me remete aos suíços e suas "geneva bars". Desculpem-me, mas desconheço relógio antigo de Glashutte com tal acabamento... A Nomos flertou com o dourado padrão (não frosted) no início de sua produção e, depois, o abandonou.
Há uns dois anos soube que pretendiam reabrir uma fábrica (não A fábrica) com o nome Moritz Grossman em Glashutte. Pensei com meus botões, naquela eterna discussão que temos aqui sobre apropriação de nomes: que pelo menos sejam justos com a tradição (algo que, por exemplo, a British Masters esqueceu-se...).
Hoje entrei no site da nova Moritz Grossmann. Juro que fiquei feliz. Eles não apenas fizeram um calibre inspirado nas tradições alemãs, mas o primeiro calibre que já vi com TODAS (eh...Quase todas hahaha) as características alemãs!
Percam um tempo na página deles sobre o movimento que estão fabricando:
http://www.grossmann-uhren.com/en/home/top/collection/benu/the-movement/Lembrem-se do que leram acima e, inclusive, comparem com os modelos das fotos que coloquei, da infância da relojoaria em Glashutte. Vou dar um desconto pela falta do padrão frosted, mas até pilar para suporte da platina superior tem. Parece um mini relógio de bolso antigo.
Depois aproveitem e naveguem pelo site completo.
Como disse, achei que mandaram MUITO bem. Apropriaram-se do nome mas aposto que Moritz Grossmann deve estar tranquilo, não se revirando no túmulo...
Flávio