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« Online: 30 Abril 2009 às 10:17:28 »
Tentar explicar tudo em detalhes, é praticamente dar um curso de relojoaria de manutenção de uma vez só. Não é possível, por isso vou tentar condensar alguns pontos que considero importantes (aproveitando um raro momento para esfriar a cabeça).
A primeira coisa a se fazer ao receber um relógio mecânico para manutenção é verificar seu "gráfico" em um aparelho como um Witschi. Claro, isso se o relógio estiver funcionando, bem ou mal. Isso porque já há como se ter um diagnóstico básico das condições de lubrificação, condição da corda, e outras coisas. Já pode-se prever, utilizando a experiência, o que virá pela frente. É como um médico, que escuta seu pulmão e coração mesmo se você fôr no consultório para ver uma unha encravada...
Por exemplo, um cliente pode se queixar que seu relógio atrasa, ou adianta demais. Isso pode acontecer com um relógio novo ou recém-revisado. Não faz sentido já sair desmontando tudo para revisão. Ao se testar no aparelho, pode-se descobrir que o mecanismo básico está perfeito, com absoluta precisão, e que o motivo da marcha irregular é uma deficiência de carregamento da corda. Ou seja, o relógio está ótimo de precisão, mas como o automático não carrega a corda, ele fica funcionando por horas com pouca corda, e aí não há mágica que faça o bicho ter precisão. Num caso como esse, pode-se ir direto na fonte, mexer só no sistema do automático, sem interferir no resto que está perfeito, evitando intervenções desnecessárias.
Caso o relógio não esteja funcionando, de nenhum jeito, aí tem que já se partir para o primeiro passo da desmontagem, que é retirar o mecanismo da caixa e com lupa faz-se um exame. Nesse exame, o primeiro passo normalmente é dar um oque no balanço e ver se ele gira livremente. Com isso, já pode-se descobrir se o balanço ou o escapamento estão travados, e já se desconfiar de um eixo quebrado ou algo assim, ou se descobrir se o escapamento está ok, mas a força da corda nem sequer chega nele. Nesse caso, pode ser um defeito da rodagem ou simplesmente uma quantidade absurda de sujeira.
Feito isso, parte-se para desmontagem e lavagem. Não é comum inspecionar tudo antes da lavagem pois a sujeira encobre defeitos como um rubi partido, um eixo com "pescoço", e outras coisas. Um máquina especial utiliza-se de vários banhos e ultrassom para lavagem das peças, que são colocadas em uma pequena cesta de metal. Tudo é desmontado e peças muito pequenas como dispositivos anti-choque e contra-pedras são colocadas em uma cestinha especial, com trama bem fechada, para evitar que se percam. O balanço é lavado também, mas deve permanecer montado em sua ponte, e sua ponte montada na platina. Esse é o regulamento dos fabricantes, como Omega, por exemplo. A ordem de banhos da lavagem é: solução de limpeza, álcool isopropílico e benzina.
Detalhe: antes da lavagem, pode-se e deve-se recorrer ao velho e bom palitinho de dentes! Para limpar os orifícios dos rubis.
Caso haja sinais de ferrugem, em peças como uma platina ou ponte, a sujeira deve ser eliminada com um pincel de fibra de vidro, que funciona como uma escova.
Depois de tudo lavado, inspeciona-se os eixos das rodas, e aí cabe a experiência do relojoeiro com um determinado calibre para ir mais fundo nos pontos comuns de desgaste. Caso seja detectado, a substituição da peça poderá ser necessária. Essa avaliação depende também do nível de desgaste, do ponto onde há o desgaste, e por aí vai. Existem rodas em que um pequeno desgaste é tolerável, e outras em que não há tolerância nenhuma para desgaste.
Aí procede-se a montagem. Algumas coisas precisam ser lubrificadas antes da montagem. Por exemplo, o tambor de corda de um automático deve receber a graxa brecante em sua parede. Normalmente, a Kluber P125. Monta-se a corda dentro do tambor com ajuda de uma ferramente chamada estrapada. Lubrifica-se o mancal do tambor com óleo grosso, como um Moebius D5 ou HP 1300 e monta-se a árvore (eixo do tambor). Fecha-se o tambor e lubrifica-se o mancal ou rubi da platina onde apoia-se a árvore. Normalmente, em mancais ou rubis com parede do orificio espessa, lubrifica-se diretamente a parede antes de montar a peça, ao invés do convencional que se faz com as rodas, que é lubrificar com elas já montadas. É necessário fazer isso também com rodas de centro.
Então faz-se isso, e procede-se a montagem de toda a rodagem e suas pontes. Tudo montado, verifica-se de está tudo girando bem livre, e monta-se a âncora. Dá-se cerca de uma volta de corda no tambor para ele criar tensão na rodagem. Lubrifica-se a âncora com graxa especial, que se liquefaz sob impacto. O correto e ensinado por fabricantes é lubrificar a levée com a âncora montada. Pois se lubrificar antes, não há bom espalhamento do lubrificante entre os dentes da roda de escape e fatalmente "mela-se" lugares errados dos dentes ao montar uma âncora já lubrificada. Lubrificar ela montada é consideravelmente mais difícil. Faz-se isso através dos orifícios de inspeção das levées que há na platina. Coloca-se lubrificante somente na face de impulso. Se "borrar", tire a âncora e comece tudo denovo. Então coloca-se uma pequena quantidade e com cuidado avança-se alguns dentes da roda de escape, tocando a âncora para lá e para cá. Ela fará isso sozinha, pois antes foi dada uma volta de corda. Faz-se o mesmo com a outra levée. E pode-se repetir mais uma vez com cada levée. Em alguns casos, com âncoras muito esbeltas, lubrifica-se somente a levée de saída para evitar que lubrificante borre o corpo da âncora.
Feito isso, monta-se os antichoques, já com suas contra-pedras devidamente lubrificadas (com uma gota de óleo fino 9010 que deve ter diâmetro entre 1/3 e 2/3 do diâmetro da pedra). Lubrifica-se então todos os rubis das rodas. Óleo grosso como D-5 em roda intermediaria (quando há, ou seja, quando não há roda de centro), e em terceira roda. Óleo médio ou fino dependendo do caso na quarta roda. Óleo fino da roda de escape. Ou seja, com tudo montado, lubrifica-se os rubis que apóiam os eixos dessas rodas. A quantidade depende muito da experiência pessoal, estado de desgaste e outros fatores. Mas o geral é colocar o óleo no recesso no rubi, não ultrapassando metade de seu enchimento. Isso será quantidade suficiente para fazer o óleo penetrar no orifício, entre o pivô, e na parte inferior do rubi, formando uma pequena rodela de óleo onde apoia-se o ombro do eixo.
Aí, monta-se o balanço. O relógio já deve começar a funcionar. Aí pode-se já dar corda no tambor e colocar para funcionar. E prossegue-se na montagem no lado oposto da máquina, ou seja, o lado debaixo do mostrador. Aí vai o sistema de ajuste das horas, com o pinhão coulant, revoirs, tirete, mola do tirete, báscula e etc. Quase tudo é lubrificado com óleo grosso ou graxa leve, dependendo do mecanismo. Vai lubrificação no vinco do coulant, onde a báscula se apóia em cima; vai no engate entre o tirere e sua mola, vai no ponto de contato entre a mola e a báscula. Usa-se praticamente só óleo grosso nos revoirs, roda de minutos e roda de calendário. Usa-se graxa na chaussé. Monta-se o disco de calendário e seus arremates.
Tudo ok nesse lado, volta-se par ao outro lado para concluir o sistema do automático. Em muitos casos ele é como um módulo e pode ser revisado separadamente e montado no final. Aí, como são muitos sistemas diferentes, a lubrificação varia muito. Mas é comum ficar entre óleos grossos e médios. No caso de rodas reversoras, usa-se "epilame", que é uma película bem fina de lubrificante, aplicada por banho. Normalmente é o procedimento mais eficiente nos sistemas da ETA, por exemplo (2824, 2892...).
Aí parte-se para a regulagem, ainda sem montar o relógio na caixa. Uma vez regulado, receberá o mostrador e ponteiros. Monta-se na caixa e antes de fechar definitivamente, verifica-se denovo toda a regulagem.
E aí está pronto. É mais ou menos isso.
Abraços!
Adriano