Menu principal

Sobre a "Revolução do Quartzo" e "novas" descobertas

Iniciado por admin, 12 Outubro 2013 às 14:13:10

tópico anterior - próximo tópico

flávio

Um dos primeiros textos que escrevi sobre relojoaria, há uns 15 anos, foi este:

http://www.relogiosmecanicos.com.br/paradigma.html

Segundo achava, o simples fato de um novo e revolucionário produto ter sido colocado no mercado afundou a indústria suíça.

Será mesmo? Ontem lia o último capítulo do livro "The history of the swiss watch industry" e o autor abordava justamente essa questão.

Segundo ele - e isso é notório - a Suíça já possuía tecnologia suficiente para produzir o relógio eletrônico até mesmo antes da Seiko e, inclusive, comercializou maiores quantidades deste no início. A produção da Seiko somente alavancou no final dos anos 70, sendo diminuta no início e meados.

Curioso é que a Seiko, nesta mesma época, conseguiu AUMENTAR a produção de relógios mecânicos (ele cita dados precisos sobre isso) enquanto a Suíça diminuía. Pior: a Seiko passou a exportar muito mais, e não estou falando de relógios eletrônicos, mas mecânicos! Ele cita dados indicando, por exemplo, que em meados dos anos 60, a Seiko não tinha mais do que 5% da vendas nos EUA, chegando a metade do mercado nos anos 70. Repito: relógios mecânicos, não quartzo.

Claro. Ele indica que a revolução do quartzo, não vista pelos tradicionalistas que a encamparam como uma nova opção, contribuiu, e muito, para a derrocada da indústria entre 1975 e 1985 (a crise durou exatamente dez anos).

Mas ele questiona e lá pelas tantas concordei com ele, através de dados, que este foi o menor dos problemas.

Na verdade, a indústria Suíça não estava preparada como um todo para o mercado globalizado, em virtude da produção em "distrito industrial", algo citado por mim no longo texto sobre isso, aqui:

http://www.relogiosmecanicos.com.br/la%20chaux%20de%20fonds.html


Como ressaltei neste texto, a verticalização da produção não foi completa, o "etablissage" continuou, com centenas de fábricas produzindo componentes que eram montados por grandes fábricas.

Se isso foi o que manteve o monopólio suíço por um século, no limiar dos anos 70 não prestava mais, porque a Seiko de fato era totalmente integrada e, por isso, possuía mais "rapidez" (e a palavra é essa mesmo) para tomar novos mercados.

Tanto é verdade que a recuperação suíça ocorreu justamente - aí sim - através da fusão de várias empresas em grupos grandes, que conseguiam adotar posturas frente ao mercado globalizado de forma mais rápida.

Mas não só, e aí o dado novo, fundamental, que não sabia.

Até meados dos anos 70, o câmbio do dólar não era flutuante. Quando passou a sê-lo, o franco se valorizou demais em relação ao ien e os produtos se tornaram não competitivos. Ele traz dados com valores do franco, pode de compra, etc. Havia um acordo econômico entre EUA e Japão que manteve para este o ien ainda fixo. Não é coincidência que somente em 1985, quando o Japão também começou a seguir o câmbio flutuante, a indústria suíça retomou as rédeas.

O autor, concluindo, indica a valorização do franco como fator preponderante para a derrocada da indústria do que o relógio eletrônico, algo que, por exemplo, David Landes na famosa obra Revolução no Tempo nem cita.

Achei bacana! Novas luzes num tema que gosto muito, resolvi compartilhar com vocês e, quem sabe, abrir novas discussões.


Flávio

elpeixe

Olá Flavio, gostei muito desse topico.
De muito bom aproveito,parabéns.

Abraços
Elpeixe

ThiagoDF

Membro do RedBarBrazil

ogum777

tem um segundo fator, flávio, que não sei se olivro que vc leu aborda.

em razão da guerra fria, e portanto do interesse dos e.u.a. em isolar no sudeste asiático china, vietnã, coréia do norte e quem mais fosse, seguisse ou aparantasse seguir o caminho dopacto de varsóvia, não havia nenhuma cobrança forte de royalties por uso de patentes americanas nos países do sudeste asiático.

some-se a isso a progressiva terceirização par ao sudeste asiático demuita coisa produzida antes nos e.u.a.

dois exemplos forta dos relógios mas que mostram o impacto da política na economia - além dessa manutenção até 1985 do yen subvalorizado:

- bicicletas (então em aço cromo-molibdênio, mesmo material usado em material bélico,à larga). giant passa aproduzir como OEM para empresas americanas em 1972. sólança bike com marca própria em1986.

- intel: não registra como marca a série XX86, e fomenta fabricantes de clones de seus chips (AMD inclusive). assim, se torna fornecedora do governo americano, que não compararia algo que sópudesse ser fornecidopor um único fornecedor.

a seiko - como qualquer fabricante japonês e depois asiático da época - teve incentivos de sobra pra entrar no mercado norte-americano. o maior incentivo, sem dúvida, já apontado: a cotação da moeda.

afinal, pensemos, se o dólar caísse repentinamente a R$ 0,50, ficaria bem mais fácil comprarmos rolexe, omega e etc, não é?  ;)

finda a guerra fria, vem a cobrança da conta. crise dos tigres asiáticos, nova lei de patentes derivada de novos tratados internacionais e etc.

nessa hora a vida se facilita para qq cois aproduzida na europa, mas menos para o que era produzido da ásia. isso impacta relógios também.

mas entra em cena a china... e seus preços astronomicamente baixos.

hoje, na 25 de março, um reloginho a quartz custa 10 reais. +/- 15s ao mês. o povo não chega nem a trocar a bateria: troca logo o relógio.

mas mesmo esse relógio desaparecerá, pois hoje virou o relógio acessório de moda. pouca gente precisa mesmo de ver as horas no pulso. os celulares hj são a referência na leitura das horas.

para mim, o maior sinal da mudança dos tempos é a festa de reveillon: as pessoas fazem a contagem regressiva olhando o celular.

e na prova do enem não se pode usar relógio, pois muitos contém mecanismos de transmissão de dados...

é... a longo prazo, a indústria relojoeira passará pelo que passaram os alfaiates.

há décadas, havia um alfaiate a cada esquina. o prêt-a-porter matou isso. mas sobrou meia dúzia: e hoje cobram bem caro por um terno.

os reloginhos a quartz baratinhos talvez desapareçam. sobrarão os de uso necessário, técnico (entre militares, bombeiros, e etc), esportivo, e os de luxo. pra uso técnico e esportivo teremos verdadeiros computadores no pulso. bom, e o luxo, vai da estravagância de cada um.

ou nada disso, se o google glass evoluir, as horas estarão à frrente dos olhos.

(não sei se viveremos pra ver esse mundo, mas a coisa vai por aí...)


lucius

Este marco do Quartz na indústria é um tema que também acho muito interessante.

Interessante mesmo do ponto de vista pessoal, porquanto meus primeiros relógios não foram mecânicos, nasci na primeira metade dos 70,  e meio que fui enredado por essa revolução.

Lucius
Corruptissima re publica plurimae leges

Dorotheo

Uma abordagem interessante, política, história, horologia e mercado, tudo com início no pós WWII e os planos da doutrina Truman para recuperar a Europa e a Ásia (leia-se domínio americano e início da guerra fria). Muito bom. Abs.
Todo ser humano é culpado do bem que não fez. Voltaire