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Métodos de ajuste do relógio

Iniciado por michelim, 30 Março 2012 às 09:01:31

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michelim

Bom dia pessoal.

Gostaria de saber o seguinte:
1) qual o procedimento para ajuste de relógios sem auxílio de vibrograph? (como faz para ajustar a amplitude e beat error?)

2) com o vibrograph, qual o procedimento? Em quantas posições se ajusta neste caso?

3) e com o witchiki? Em quantas posições são ajustadas, como se faz para ajustar em 6 posições sem perder o ajuste que se fez em uma posição para outra?

3) para o ajuste se leva em conta o crono ligado/desligado?


4) Existe alguma posição preferencial para ser medido e se tentar zerar o erro no vibrograph/witchiki?

Mich

"The Quality Remains Long After the Price is Forgotten."

Adriano

Mich, muito oportuna a pergunta.

Mas antes de mais nada, precisamos fazer uma diferenciação: ajuste é uma coisa. Regulagem é outra.

Aliás, discuti o assunto em uma matéria técnica da Pulso há uns anos atrás. Mas vou resumir aqui.

Ajuste é uma condição que envolve diversos componentes, mas principalmente o escapamento. O ajuste é determinado pela centralidade horizontal e vertical da espiral, do espaço do index do regulador, e de outras geometrias complexas do escapamento, como a forquilha da âncora, dardo, profundidade das levées e etc., e normalmente, uma vez ajustado, o ajuste não se desfaz sozinho a não ser mediante intervenção desastrosa ou impactos.

Regulagem, por sua vez, é apenas a regulagem da marcha, para o relógio acelerar ou desacelerar.


Por isso, o ajuste não depende de aparelhos na maioria das vezes e não é feito com o relógio ou a máquina montada no aparelho. Então, um relógio bem ajustado possui geometria perfeita no escapamento, coisa que começa na qualidade de fabricação. E raramente um relógio de qualidade precisa de ajuste dessa geometria, pois vem de fábrica perfeito. Mas de todo modo, isso tudo precisa ser avaliado pelo relojoeiro na manutenção. No que tange a geometria do escapamento, o relojoeiro pode intervir nos bancos de parada da âncora, especialmente em relógios bem antigos, cujos bancos eram formados por pinos e permitiam ajuste. Em relógios modernos isso não é possível, pois os bancos fazem parte da platina e normalmente vêm perfeitos de fábrica. É uma intervenção muito drástica precisar mexer nisso. Também pode-se intervir na profundidade das levées, fazendo elas penetrarem mais ou menos nos dentes da roda de escape. Uma penetração muito funda oferece segurança no bloqueio, mas rouba amplitude. Uma penetração muito rasa oferece pouco atrito no desbloqueio o que contribui para obtenção de uma amplitude mais alta, mas sob o risco de um dente escapar durante o bloqueio. O ajuste ideal é um equilíbrio entre as duas coisas: segurança e amplitude.

A segunda parte do ajuste tange o balanço e a espiral. O balanço precisa estar perfeitamente balanceado, e caso não esteja, é preciso colocá-lo numa ferramenta que avalia o balanceamento. Se precisar de correção, a intervenção normalmente envolve a retirada de material no ponto mais pesado do balanço, por meio de uma broca, normalmente. Quanto à espiral, o ajuste envolve a sua perfeita concentricidade, e sua planicidade vertical. Ou seja, uma espiral bem ajustada está perfeitamente concêntrica e plana. Sua curva terminal tem que estar perfeita, especialmente se for um overcoil (espiral de Breguet) para que a espiral não exerça forças laterais contra o eixo do balanço durante o ciclo de contração e expansão. Além disso, no caso de se usar regulador convencional (ou seja, "não free-sprung"), a espiral passa por dentro do regulador e deve estar bem posicionada dentro dos indexes, de modo que o regulador não estrangule a espiral e não altere seu comprimento útil entre a sua total expansão e total contração.

Muitos desse parâmetros podem ser avaliados com aparelhos modernos que ofereçam a função de osciloscópio, pois o som revela inconsistências entre o bloqueio do escapamento a cada dente, releva interferências entre dardo e platô, e etc.

Se o relógio estiver bem ajustado, ele terá boa amplitude (estando todo o resto da máquina em ordem), e terá pouca variação de marcha entre diferentes posições e diferentes condições de corda. Ou seja, o relógio terá bom isocronismo, o que se reflete em um "delta" baixo. Uma vez ajustado, basta regular o relógio para ele ter boa precisão.

Já a regulagem, conforme dito, é meramente o ato de mover o regulador para lá ou para cá, para alterar o comprimento útil da espiral, no caso de reguladores convencionais, ou mover os parafusos ou pesos de regulagem do balanço mais para dentro ou mais parafos para mudar o seu momento de inércia, no caso de balanços "free-sprung", ou "balanço de inércia variável" em português. Isso acelera ou desacelera a marcha. E o beat error, que indica de o movimento do balanço é simétrico em ambos os sentidos de giro, é regulável movendo-se o porta-piton para lá ou para cá.

A regulagem sim, é feita com o relógio ou só a máquina montada sobre o microfone do aparelho, já que a mudança é instantânea. O beat error pode ser detectado sem aparelho, só visualmente, mas não oferece a mesma precisão do aparelho e além disso, é transpiração à toa fazer isso visualmente.

Então fique entendido que o ajuste ou sua avaliação precede a regulagem. Um relógio bem ajustado sempre poderá ter boa precisão, bastando uma simples regulagem. Enquanto o oposto é totalmente em vão: é total perda de tempo tentar regular um relógio mal ajustado.

Então respondendo às perguntas:

1) Entendendo-se que a pergunta se refere à regulagem e não ajuste, basta mexer no regulador e no porta-piton. Porém sem aparelhos, é bem complicado. Pode-se levar dias e dias para regular a marcha de um relógio, por tentativa e erro, quando se faz isso em segundos com um aparelho.

2) Em qualquer aparelho de teste, basta montar o relógio ou o mecanismo sozinho no microfone e ir mexendo no regulador ou porta-piton. Isso é feito na posição de mostrador para baixo, pois é a posição mais fácil de se trabalhar. A regulagem é feita nessa posição e pode-se fazer ela em outra posição quando necessita-se obter uma marcha específica em uma determinada posição. Mas quando você mexe na regulagem, ela muda em todas as posições. Se você acelera a marcha em uma posição, todas vão acelerar se ele estiver bem ajustado. Por isso a regulagem boa obtem-se quando a média entre diferentes posições é boa. E quando bem ajustado, a regulagem de uma posição afeta pouco as outras. Mas nada adianta ter uma boa média se a diferença entre posições é muito grande, e nesse caso, o relógio não está bem ajustado e aí poderá ser ajustado dentro dos seus limites. O que é uma boa média e um bom delta depende totalmente de mecanismo para mecanismo.

3) Idem à resposta anterior. Você regula em uma posição. Se regula uma posição e altera demais a outra, é porque está mal ajustado. Quando está bem ajustado, a regulagem de uma posição afeta pouco a outra.

4) Normalmente, por praticidade, a primeira medição é feita com mostrador para cima ou para baixo. Essa medição já indica de cara se está bom ou ruim. A regulagem idem: faz-se por praticidade com mostrador para baixo (pois o regulador fica para cima), e aí avalia-se o resultado da intervenção nas outras posições.

Por fim: é mais ou menos isso!  ;D

Abraços!

Adriano

michelim

Adriano, Obrigado pelas respostas,


ainda tenho as seguintes dúvidas:


1) Quando se está regulando em 6 posições, o que se deseja: zerar alguma posição ou evitar que em alguma esteja ajuste negativo (relógio atrasando)


2) Como se faz para identificar o beat error sem um vibrograph (no zóio?)
"The Quality Remains Long After the Price is Forgotten."

flávio

Mitch, tanto abertura (beat error) como amplitude são nos "óio". Você deve fixar os olhos nos braços do balanço e procurar algo em torno de 3/4 de volta. Não é difícil notar isso em relógios passo lento, até uns 21600 bph ou o padrão antigo de 14400 ou 18 mil. Nos de 28800...

O beat error é analisado também nos "óio" , olhando o alinhamento da âncora.

O que se busca no ajuste em posições é o centro da meta e pouca variação. Por convenção, relógio atrasando não é o que se busca. Busca-se o zero, mas normalmente ajusta-se sempre para adiantar e, um delta pequeno.

Flávio

Cigano

Gostei do tema abordado pelo caro Mich, e do belo texto do caro Adriano, muito bom, está tudo devidamente salvo no PC!!

Esses dias eu estava dando uma olhada em um blog gringo de um relojoeiro, e vi ele usando um APP para Iphone chamado Kello, para medir a precisão do relógio muito bacana. além de ele usar o Iphone, ele usa o tradicional vibrograph.

Segue o vídeo de demonstração:
http://www.youtube.com/watch?v=4dGOZHrXCNM
Abraços,
Cigano!

Adriano

Sim, complementando o que disse o Flávio:

1) O que se busca é uma média positiva em 3 ou 5 ou 6 posições dependendo do relógio, mas sempre o mais próximo de zero. Ao mesmo tempo, evita-se que qualquer uma das marchas esteja negativa. Porém, se o delta "natural" do mecanismo for um pouco alto, aí vai do bom senso do relojoeiro se ele prefere deixar uma marcha com marcha negativa (atrasando) para manter uma boa média ou se prefere manter todas as marchas positivas, mas sob a pena de aumentar muito a média. Pois não sabemos como o usuário vai usar o relógio. Se no pulso a média der muito alta, aí sim podemos adaptar a regulagem para o uso da pessoa, dependendo se ela usa o relógio mais tempo sentado (posição de coroa para a esquerda) ou se usa mais tempo em pé (coroa para baixo no pulsop esquerda ou coroa para cima no pulso direito) e como ele guarda o relógio (mostrador para cima, normalmente). Aí se necessário podemos fazer uma regulagem que previlegie essas posições.

2) E como falando pelo Flávio, o beat error pode ser visto "nos zóio". Com a corda totalmente descarregada, a posição de repouso do balanço deve ser tal que a haste da âncora se posicione bem no meio dos bancos. E movendo o balanço para um lado e para o outro, o curso da âncora deve ser igual. Mas visualmente ainda pode-se errar por uns 0,4ms. Ai vai depender mesmo do olho biônico do relojoeiro.

Complementando: existe uma regra de comportamento de marcha entre cada posição. Essa regra é teoria e um relógio perfeitamente ajustado se aproxima bastante dessa regra. Mas com tantas variáveis, essa teoria não se reflete com tanta facilidade na vida real. A teoria leva em conta o posicionamento da virola (peça que fixa a espiral ao eixo do balanço) em relação à gravidade. É sabido que a posição de coroa para a direita é uma posição na qual o relógio nunca fica quando em uso no pulso, e por isso, é uma posição desprivilegiada e ignorada muitas vezes para efeitos de ajuste e testes. A teoria em relação às posições verticais é de que em uma posição a marcha acelera, em outra (a 180º da primeira) ela desacelera e em outras duas posições (a 90º em sentido horário e 90º em sentido anti-horário da primeira posição) fica em um meio termo. Enquanto nas posições horizontais, a teoria diz que a marcha pode desacelerar um pouco por cauda do aumento de amplitude.

Agora, medir a amplitude com os olhos, não dá. Dá para dizer se está baixa ou alta, mas com exatidão, é impossível, ainda mais em frequências altas.

Abraços!

Adriano