Flávio,
Suas colocações fazem todo o sentido e sua pergunta é totalmente pertinente.
Não só li a biografia do Daniels (duas vezes!) como, recentemente, li a biografia do John Harrison escrita por Humphrey Quill, que é reputada como a melhor biografia sobre ele (além, claro, de diversos outros livros e textos sobre Harrison).
Acredite: fiz este mesmo paralelo entre ambos!
Aliás, uma das coisas que me motivaram a escrever sobre a vida do Daniels foi justamente esta coincidência. A história da tentativa de Daniels em vender o co-axial é como a relação de Harrison com a Comissão para Longitude dos tempos modernos.
Concordo quando você diz que muito da "briga" entre Harrison e a Comissão se deveu à personalidade daquele, e vou além: pra mim, a incredulidade da Comissão ante os relógios do Harrison era plenamente justificada e lógica; e digo que, se eu vivesse naquela época, provavelmente estaria do lado da Comissão, isto é, dando razão a ela.
Falo isto por diversos motivos: primeiro, o que Harrison fez, i.e., criar um relógio robusto que se mantinha preciso mesmo num navio em movimento, era uma coisa considerada uma impossibilidade científica na época, algo como, nos dias de hoje, um pedreiro dizer que criou um motor barato movido a antimatéria (todos nós daríamos risada!); segundo, Harrison demorou 25 anos (!) desde que se apresentou pela primeira vez perante a Comissão, para criar, ajustar e demonstrar pela primeira vez o H4, tudo com dinheiro do governo (qualquer um poderia supor que se tratava de um enrolador mamando nas testas da Coroa); terceiro, com exceção de Harrison, TODA a comunidade científica da época acreditava que a solução para a longitude estava no método lunar, e não foi Maskelyne que os convenceu disso (Maskelyne era um produto do método lunar, e não sua origem).
Não acho que Nevil Maskelyne agia em interesse próprio, até mesmo porque ele JAMAIS ganhou ou tentou ganhar qualquer coisa em cima da Comissão. Maskelyne fez diversos experimentos e publicou livros e tabelas que efetivamente ajudaram a facilitar os cálculos necessários para a determinação da longitude pelo método lunar, e com um detalhe: ao contrário de Harrison, ele nunca pediu à Comissão adiantamentos e/ou ajuda financeira. Então, imagino que, aos olhos da época, Maskelyne deveria ser uma pessoa muito mais confiável do que John Harrison.
Realmente, acho que a Dava Sobel foi muito tendenciosa em seu livro (a palavra certa seria "maniqueísta"), a ponto de eu achar atualmente que o livro "Longitude" tem pouca valia (seriedade) do ponto de vista histórico.
Bom... enrolei bastante, mas vamos à resposta:
NA MINHA OPINIÃO, o gênio forte de Daniels contribuiu totalmente para dificultar a adoção do escapamento co-axial pela indústria suíça (nem a mulher dele agüentou ficar casada com o homem, então você já imagina...), porém, do ponto de vista histórico, é dificil de se comprovar esta afirmação e determinar até que ponto a personalidade dele afetou sua relação com os suíços, pois a versão oficial deste episódio foi escrita pelo próprio Daniels, e obviamente ele não se reconhece como "carne de pescoço" (nos termos do Jean).
Ao contrário de Harrison, que até escreveu sua versão da sua relação com a Comissão para a Longitude, porém teve sua vida totalmente dissecada por historiadores, que "ouviram" os dois lados), que souberam "distribuir" a culpa aonde devido.
Bom, é isso... Desculpe não ser objetivo, mas tudo que posso fazer são conjecturas.
Um grande abraço, e parabéns pelo interessantíssimo tópico!
Igor