O relógio está sendo anunciado sem muita fanfarra, o preço aguardado está entre 100 e 200 mil dólares e... Como já disseram alhures, "o mercado é soberano", ou seja, o que determina preço de bens é a oferta e procura. Porém, se estamos lidando com algo antigo e colecionável, raridade e importância histórica não fazem mal a ninguém... Esqueçam por um momento, portanto, os Rolexes Daytona que foram feitos (na verdade montados, eis que a Rolex sequer fazia seus movimentos, mostradores e ponteiros...) aos milhares e, por uma ironia do mercado, agora alcançam valores na casa das centenas de milhares de dólares. Pior: com o intuito de criar uma "raridade" que julgo absolutamente artificial, os vendedores (ou seriam "especuladores"?) criam um monte de variações dentro da linha, fonte de mostrador isso, fonte de mostrador aquilo, só para inflacionar o mercado. Fiquemos com o "real deal", um relógio efetivamente histórico e raro.
A história, que já contei aqui algumas vezes, é a seguinte. A história da cronometria é a história da relojoaria. A evolução da relojoaria ocorreu em uma busca pela precisão. Lembram-se da busca pela Longitude? Pois é...
E lá pelas tantas, quando os relógio de fato se popularizaram como OBJETOS ÚTEIS, muito antes de serem objetos de vestuário, a melhor propaganda do negócio era ressaltar a confiabilidade e precisão do bem vendido. Sabe aquela prosa que existe até hoje de fabricar o carro mais rápido, que ainda desperta desejo nos aficionados? Pois é... A partir do fim do século 19, as fábricas passaram a competir entre si pela fabricação do relógio mais preciso do mundo e isso ocorria sob a estrita fiscalização dos observatórios suíços e ingleses, "donos" da marcação do tempo precisa no planeta, através da observação dos astros (aliás, eles são responsáveis por isso até hoje, mas a determinação do padrão tempo não ocorre mais através da observação de astros, mas por um relógio atômico).
Desde o começo, cinco marcas se mostraram ferrenhas competidoras nos observatórios, propalando aos sete ventos suas vitórias como estratégias de marketing, como podemos observar em vários anúncios no tópico sobre propagandas antigas no site. Eram elas a Patek, Zenith, Omega, Rolex e Longines.
Desde os anos 30, porém, sob a tutela do regulador, uma profissão que não existe mais, os "preparadores" de relógios de precisão para competições, Alfred Jaccard, a Omega tomou a liderança em prêmios. Obteve, aliás, os recordes absolutos de precisão de 1933 e 1936. A partir dos anos 40, a dominação da Omega em números de prêmios passou a ser total, com acirradas disputas pelos primeiros lugares com Patek, Zenith e a "corredora por fora" Movado.
Fato é que a partir dos anos 60 os japoneses, através de seus estúdios, passaram a competir, com o intuito de propagandear a evolução que estavam tendo. Não se deram muito bem... Mas o japonês é um povo sagaz: aprende com seus erros, tenta e faz melhor. Em 1966, obtiveram algumas boas classificações entre os top 5... Mas em 1967 algo aconteceu: um mecanismo a quartzo criado pelos próprios suíços competiu na categoria de cronômetros grandes e conseguiu uma performance muito superior ao melhor resultado obtido em todos os tempos por um relógio mecânico (nota 1.73, sendo que 0 seriam a precisão absoluta, recorde obtido pela Omega e ainda em vigor).
Os suíços ficaram com medo... Estava aberta a porta para que num futuro próximo não só os relógios mecânicos pequenos fossem implodidos pela tecnologia do quartzo, como por "forasteiros", eis que os japoneses também pesquisavam sobre o novo modelo.
O governo suíço, preocupado com a propaganda negativa que isso poderia gerar para a indústria, simplesmente decretou o fim das competições de observatório...
Que enrolação Flávio, o que temos aí?
Na década de 40, a Omega buscava um novo modelo de movimento que pudesse ser vitorioso em todas as competições que entrasse e, desenterrando o conceito de Breguet, resolveu apostar num turbilhão. Para isso, contrataram Marcel Vuilleumier, diretor da escola de relojoaria de Le Sentier, que projetou um turbilhão com rotação de sete minutos e meio, balanço com compensação guillhaume (bimetálico) e 18 mil batimentos por hora. O movimento seria o primeiro feito "em série" por uma manufatura suíça e foi concluído em 1947, dois anos antes de modelos da Patek. O em "série" entre aspas foi proposital porque na verdade apenas 12 movimentos foram fabricados de forma totalmente artesanal, numa época na qual CAD eram algo inimaginável. Desses 12, sete foram levados às competições de observatório e foram regulados por Jaccard e usados entre 1947 a 1952 (os mesmos movimentos eram usados ano após ano, por aí imaginem a raridade e preocupação da Omega com os movimentos), obtendo posições no mínimo irregulares.
Em 1950, por exemplo, um dos movimentos obteve a primeira colocação em Genebra. Porém, a partir de então, em várias outras competições, suas posições foram se deteriorando (14 lugar, 37 e, finalmente, 42), que a Omega resolveu abandonar o projeto.
Em 1987, sete desses movimentos foram encontrados pela Omega, restaurados, colocados em caixas e vendidos (o que talvez soe absurdo hoje, não o era nos anos 80!). Vez ou outra aparecem em leilões e alcançam bons preços, na faixa dos 200 mil dólares. Vejam
https://www.hodinkee.com/articles/just-because-the-worlds-first-tourbillon-wristwatch-caliberO que a Phillips está vendendo e diz ter em mãos, porém, não é isso, mas um "protótipo", ou mesmo um dos restantes movimentos citados acima, JÁ COLOCADO EM CAIXA em 1947 e em condição mint. Lembrem-se, nas competições de observatório, os MOVIMENTOS, não relógios completos, eram levados, assim como o COSC faz hoje.
Ou seja, a Phillips diz ter um relógio completo feito pela Omega ainda em 1947 contendo o tal movimento.
Eu, se fosse a Omega e confirmada a história, teria feito uma certa fanfarra sobre isso, pois tratar-se-ia de algo raríssimo e histórico, que certamente deveria alcançar muito mais valor do que os 200 mil que estão pedindo. E lembrem-se: O ALTO VALOR, EM LEILÕES, CRIA PERCEPÇÃO DE EXCLUSIVIDADE NA MARCA E AUMENTA VALORES FUTUROS. É uma bola de neve: os Pateks de hoje estão ultra caros porque os de ontem eram super caros...
O anúncio da Phillips está aqui
http://www.phillipswatches.com/highlights-from-the-geneva-watch-auction-six/O relógio em si
http://www.phillipswatches.com/wp-content/uploads/2017/09/111474_SOLDIER_NEW_UC151759-e1506675081594.jpgE, finalmente, um texto sobre a Omega nas competições e os tais turbilhões
http://www.watchprosite.com/page-wf.forumpost/fi-677/ti-358702/pi-2205377/Flávio