Jefferson, um motivo é pragmático: quando você acumula um monte de relógios como acumulei, uns 20, torna-se um verdadeiro assalto a mão armada, sobretudo em dias de monopólio de assistências técnicas, mantê-los funcionando em bom estado. Para ter uma noção, neste momento que teclo, tomei vergonha na cara e enviei, para revisão, três relógios meus que haviam arregado completamente e estavam esquecidos numa gaveta sem poderem funcionar: um Ebel E Type Crono, um Omega Dynamic e um Revue Thommen Cricket. Valor das três revisões, e sequer mandei em autorizada, mas num bom independente em São Paulo? 2500 reais. Aí você pensa... Tá, mas a última vez que mandou isso para a revisão faz quanto tempo? Sim, faz uns dez anos e, se eu tivesse apenas 3 relógios e de 10 em 10 anos precisasse gastar isso, estaria ok. O problema é que tenho 20, e esse lance de relógios dando pau acaba se tornando uma frequente, de modo que a cada dez anos você gasta não 2500 reais, mas uns 10 mil! É muita disposição para ter um objeto em tese até mesmo inútil em mãos. Eu ainda continuo lendo até razoavelmente muito sobre relojoaria, mas um livro mega caro me custa 50 euros e me ocupa durante meses, intelectualmente falando. É por isso que hoje, voltando ao que disse acima, eu teria preferido ter, sei lá, uns 5 relógios somente ao invés do monte que juntei. Ah Flávio, e porque você então não vende o excedente e fica apenas com uns 5? Pô. Faz sentido... Mas... Aí vou vende um Ebel Type E como o que tenho por... Sei lá, uns 2 mil reais, sendo que custou uma fábula na época? Ou passar para frente um Dynamic desse por uns 1500? Os valores de alguns relógios que tenho se tornaram tão pulverizados no tempo que não vale a pena vendê-los, é dinheiro de pinga, dá até dó.
A outra questão é filosófica... Eu admiro MUITO, não fazem ideia, a quantidade de histórias que a relojoaria nos traz. Não precisa ir longe, estou escrevendo sobre o assunto há 20 anos e o troço parece inesgotável. Porém... Eu sinceramente não gosto do rumo que a indústria tomou nos últimos anos, que ao mesmo tempo que se vende como algo EXCLUSIVO e SINGULAR, não tem exclusividade e singularidade alguma, é tudo um marketing mentiroso como em qualquer outra indústria, apenas para vender produtos. Sinto falta realmente a conexão mais próxima que existia num passado recente, quando você mandava um e mail para a Longines e o próprio curador te respondia. O mesmo ocorria na Omega... Pô, eu tenho catálogo assinado em casa pelo Gerd Lang, o fundador da Chronoswiss! Atualmente, as fábricas pregam uma maior conexão com o consumidor, mas isso não existe mais, ficou tudo pasteurizado demais, CULPA, apesar de NÃO A ASSUMIREM, em parte, da mudança ocorrida na rede a respeito dos formadores de opinião. Hoje, o que é relojoaria é o que Ben Clymer e cia dizem que é. E por mais que eu ache que eles popularizaram a relojoaria, que era algo meio obscuro quando eu comecei a escrever, a popularização veio em detrimento do meio. Sim, é um paradoxo que eles não abordaram até hoje, mas existe. A realidade é que fóruns de discussões, a multitude de opiniões, não existem mais, salvo algumas honrosas exceções. E quer saber? Até o fato de nesses 20 anos, sim, 20 anos eu estar martelando a relojoaria técnica na cabeça de pessoas com língua portuguesa e isso NUNCA TER SIDO RECONHECIDO pelos "majors" do mercado, deixa-me puto. Nunca, nesses 20 anos eu lembro de ter sido ouvido para PORRA nenhuma a respeito de relojoaria ou mesmo mercado. É como se o Brasil ou a língua portuguesa não existisse. E isso é broxante...
Em resumo, o que me afastou do relógio objeto, não da relojoaria, porque aí é impossível eu afastar-me, foi grana e muito blá blá blá no mercado.
Flávio