Uma das grandes lembranças de infância que tenho são os finais de semana passados na casa dos meus avós, em Belo Horizonte. Para uma criança, o apartamento era enorme, com diversos locais para brincar de "pique" (aliás, acho o apartamento grande até hoje, são 230 metros). Mas uma coisa chamava minha atenção: a regular batida de horas com música (Westminster) de um relógio que meu avô possuía. E as batidas ecoavam por toda a madrugada, pois meu avô não tinha qualquer intenção de deixá-lo em silêncio... O interessante na época, para mim, era puxar as correntes metálicas e ver o peso subir... Ou então acelerar com petelecos o movimento de vai e vem do pêndulo. Ambas as condutas, é claro, altamente deletérias ao relógio, mas criança, sabem como é...
Meu avó faleceu, competiu à minha avó cuidar do tal relógio. Este, comprado em 1981, parou de funcionar no início dos anos 2000 e foi revisado por um relojoeiro de minha confiança. Na época, ele disse que o relógio estava em bom estado, mas com algumas mancais dos pivôs já largos. Mas não precisou de buchas. Há cinco anos, arregou novamente mas, como já não estava mais em BH, não sei o que ocorreu e o que foi feito, muito embora reparado pelo mesmo relojoeiro.
Minha avó, então, faleceu há cerca de dois meses e, como já era intenção dela que eu ficasse com o relógio, assim foi feito, com um certo "trabalho" para despachá-lo de BH, mas chegou intacto.
O relógio é um URGOS alemão, com soneria (Westminster, St Paul e outra que esqueci), com repetição de quartos. Esses relógios eram montados na Zona Franca de Manaus nos anos 80 por uma empresa, que não sei se ainda existe, chamada Despertex da Amazônia, com gabinetes nacionais (o dos meus avós é em folhas e peças maciças de Jacarandá). Não são raros... Na verdade, qualquer regulador de pedestal que encontrarem na casa de alguém, comprado nesse período, provavelmente será da Urgos.
A tal Urgos, aliás, foi fundada em 1920 com o nome de Rumminger e Co, mas só passou a ter esse nome em 1923. A fábrica parou de fazer relógios durante a 2a Guerra para produzir armamentos e, logo após, foi desmantelada, para então voltar a produzir nos anos 50, relógios que se tornaram muito populares nos EUA: seus mecanismos, conquanto complexos, custavam a metade do preço da concorrência. Em 1992, depois de 70 anos de funcionamento, e em situação financeira ruim, a Howard Miller americana cogitou comprá-la, mas como o negócio furou, os próprios empregados a adquiriram, e a mantiveram em funcionamento até meados dos anos 2000, quando fechou definitivamente as portas. Atualmente, a única fábrica alemã que produz relógios de pedestal em série é a Hermle, muito embora existam produções limitadas de independentes.
O relógio do meu avô, conforme nota fiscal que ainda existe, foi adquirido em 1981 por exatamente 200 mil cruzeiros. Para colocá-los em perspectiva, o salário mínimo da época girava em torno de 8500. Ou seja, estamos falando de um produto que custou o equivalente a dois anos de salário de um trabalhador não qualificado: não era barato.
Apesar de vários terem me dito que o gabinete está em excelente estado estrutural, e está mesmo, bem como apresentar uma pátina legal do tempo, sendo que uma restauração seria contraproducente, resolvi fazê-lo: a imagem do gabinete mais escuro ficou na minha lembrança de infância, o quero assim... O restaurador disse que irá fazer um trabalho conservador, apenas remoção do verniz antigo que, aliás, está saindo com um mero arranhar de unhas, e aplicação de novo. A quem interessar possa, não sairá barato, foi orçado em 1600 reais. A revisão do movimento será feita por um relojoeiro de confiança, mais 1200. Nem pensei muito nos valores, há coisas que não tem preço...
À medida que o trabalho for feito, pois me pediram 60 dias de prazo, conto as novidades.
Flávio