O lance é que não dá, na minha opinião, para comparar charutos de diferentes origens, diretamente. Ou pelo menos não quanto ao aroma. Comparar charuto cubano com dominicano, com hondurenho, ou com brasileiro, para mim, é como comparar uísque com gin, com brandy ou com cachaça. A única semelhança entre essas bebidas é o fato de serem alcoólicas e destiladas. O sabor e aroma muda totalmente. Mesmo se comparar, por exemplo, rum com cachaça, que são bem semelhantes até na matéria prima, mas produtos de sabores bem diferentes.
Charuto, na minha opinião (e demorei para perceber a diferença), é a mesma coisa. A semelhança entre eles é o fato de serem enrolados de tabaco, a mesma espécie de planta (com pequenas variações), e com os mesmos métodos. Só. Pois os aromas são muito diferentes. A explicação é simples: o que você sente no charuto é, em sua maior parte, o aroma da queima dos componentes provenientes do solo e que se impregnaram na folha. Suponhamos que você pudesse pegar sementes de origens diferentes, cubanas, dominicanas, brasileiras, e pudesse cultivá-las num laboratório, em ambiente absurdamente controlado de luz, temperatura e umidade, e num solo rigorosamente idêntico, e depois fizesse charuto com todos eles, o resultado seria charutos muito, muito parecidos.
O oposto é real também: se você pegar uma semente cubana e plantar em São Félix na Bahia, e fizer um charuto com esse tabaco, sabe o que vai acontecer? Vai ter um charuto que dificilmente alguém não diga que não é um mata fina. Isso aliás, é fato.
Então o que faz o cubano ter gosto de cubano, o dominicano gosto de dominicano, e etc., é, em princípio, o ambiente de cultivo. Isso inclui o solo e sua composição, e também a quantidade de luz e chuva, que interferem na maneira como a planta desenvolve suas folhas (que é o que fumamos) e como ela absorve os nutrientes do solo. Você tem então, em todo cubano (do melhor ao pior), um aroma típico de cubano, e que normalmente é o mais desejado e mais agradável a maioria dos gostos. É uma aroma de terra, e um sabor muito neutro. Ou seja, não é amargo nem doce, na língua. Existe sim uma parcela enorme de subjetividade, e a MAIORIA dos charuteiros, dizem preferir cubanos por mero embalo, mas se fizer uma degustação cega, não conseguem diferenciar um cubano de um dominicano (que são normalmente os mais diferentes entre si). E raramente acumulam alcatrão durante a fumada, especialmente se bem amadurecidos.
Não é absolutamente correto dizer que aroma é algo totalmente subjetivo. Não é. É praticamente um consenso entre os seres humanos de que estrume cheira mal, e, digamos, frutas frescas cheirem bem. Pela mesma razão, o aroma elementar do cubano costuma ser o mais desejado por ser normalmente pouco complexo e pouco agressivo. É quase impossível isso não agradar ao “paladar médio”. É quase impossível você pegar um clássico cubano perfeitamente construído e maturado, e dar, às cegas, para um charuteiro, e ele dizer que está ruim.
Quando você começa a falar de dominicanos, a coisa começa a mudar: o aroma deles é mais complexo, com mais variáveis e normalmente com amargor. E amargor é sabor que raramente é desejado. O ser humano tem uma repulsa instintiva pelo sabor amargo. Quem gosta de coisas amargas (eu, por exemplo) gosta por opção e condicionamento, pois é um gosto que contraria a natureza. Não existe pessoa no mundo que consegue tomar, por exemplo, café sem açúcar com naturalidade, sem que tenha sido condicionada a isso. Experimente dar café sem açúcar a uma criança. Aliás, lembram do primeiro gole de cerveja que deram na vida? Normalmente faz-se isso jovem e não há pessoa no mundo que tenha achado cerveja uma coisa deliciosa no primeiro gole. É horrível, é amargo. Raramente o jovem começa a beber com cerveja, normalmente é com bebidas doces. Voltando ao ponto, o aroma e sabor elementar do dominicano é um perfume meio cítrico e amargo. Resultado? Mesmo os melhores dominicanos possuem amargor e isso é bem mais difícil de agradar ao “paladar médio”. Para piorar, também por força da composição do solo, possuem uma grande tendência de acumular alcatrão durante a fumada mesmo depois de bem descansados e amadurecidos, o que é algo totalmente indesejado, pois o gosto é horroroso, muito amargo. Estraga o seu dia.
Quando você fala de brasileiros, especialmente o mata fina, é também um aroma normalmente agradável. A aroma elementar dele é de grãos torrados (café, amendoim, cacau) e o sabor é adocicado. Raríssimo o acúmulo de alcatrão durante a fumada. E nos hondurenhos, você tem um aroma de semelhantes, ainda mais torrado, mas o sabor é, digamos, oleoso. Também possuem uma média tendência em acumular alcatrão.
Isso são os aromas (o que se sente no nariz) e os sabores (que se sentem na língua) elementares. Além deles, aí sim, existe uma enorme quantidade de nuances que vão depender de vários fatores, além do “terroir”. Aí começa a interferir a maneira como o tabaco é seco e fermentado, depois interfere a maneira como o charuto é construído, e por fim, como e por quanto tempo ele fica descansando antes de ser vendido, ou como e por quanto tempo ele fica armazenado em sua casa.
Agora, se você fugir do aroma, aí sim você consegue comparar diferentes nacionalidade pois a construção, apresentação e queima são coisas que podem ser comparadas objetivamente. O charuto bem construído tem boa apresentação, bom fluxo, baixo índice de fluxo inadequado, queima sem entortar, e forma cinzas adequadas. Nesse sentido, os dominicanos da Oetinger (Davidoff, Avo, Zino, etc.) são absolutamente imbatíveis: a construção é perfeita, impossível pegar um com fluxo “preso”, sempre queimam corretamente, mesmo se você acender meio torto, formam cinzas compactas (mesmo considerando-se a concentração maior de magnésio no solo, que se reflete numa cinza mais branca e mais porosa que a cinza de um cubano, mais escura e mais compacta), a queima é praticamente sempre perfeita. O tempo de descanso é sempre ótimo também: impossível comprar charuto dessas marcas “verdes”.
Nos cubanos, você já começa a pegar um índice maior de charutos “presos”, especialmente em bitolas mais finas, começa a pegar mais problemas de charutos verdes, mal amadurecidos... Nesse sentido, objetivo, os cubanos estão bem longe de serem os melhores.
Em resumo então, o que faz o aroma e sabor do charuto:
- o conteúdo orgânico da folha, minerais, ácidos, alcalóides e etc. que vêm do solo e que são processados pela planta, e dão o caráter elementar do aroma e sabor do charuto;
- a fermentação, pois é durante ela que os componentes indesejáveis são perdidos ou transformados, e têm impacto nos aromas e sabores secundários;
- a construção, pois ela interfere na combustão da folha e a temperatura de queima pode alterar consideravelmente o aroma, pois substâncias que são queimadas à uma temperatura não são queimadas a outra. Como? A quantidade de tabaco dentro do charuto e a maneira como ele é montado controlam o fluxo de oxigênio dentro do charuto e a quantidade de oxigênio disponível para a combustão, e a temperatura da queima. O resultado da combustão é a cinza, que também é responsável por controlar a temperatura da combustão. Por essa razão não é aconselhável “bater” a cinza toda hora. Por outro lado, o charuto bem construído mantém naturalmente a cinza firme por mais tempo. Combustão muito fria deixa o sabor amargo, e muito quente faz o aroma sumir.
- o descanso, depois de pronto, pois o charuto pronto continua processando parte dos componentes da folha por um bom tempo. Sem esse descanso, o charuto é agressivo, “verde”, como costumamos dizer, normalmente sentido pela falta de aroma e queimação na boca, língua e garganta.
Por fim, o resto do aroma pode ser influenciado pela maneira como você acende e fuma o charuto. O acendimento adequado garante uma queima reta, sem defeitos, que podem prejudicar a formação da cinza, importante para a manutenção da combustão. E o ritmo de fumada: não “fritar” o charuto nem deixar ele apagar é o ideal para evitar flutuação na temperatura de combustão e evitar o acúmulo de subprodutos indesejáveis na queima, como o alcatrão.
Tudo influencia um pouco, mas o “terroir” ainda é o que dá o caráter do charuto, e Piñar Del Rio é o lugar abençoado onde a combinação do solo e do clima produzem uma folha de charuto com as características mais apreciadas pela maioria. É o que faz o charuto cubano ter aroma de charuto cubano. Os aromas e sabores secundários são influenciados pelos outros fatores que citei, mas incapazes de modificar seu caráter básico. Ou seja, não há construção nem armazenamento que mude o caráter de um charuto; apenas melhora o caráter básico. Um charuto cubano verde é horrível, mas continua parecendo cubano. E um charuto hondurenho não terá aroma de cubano nem com a melhor construção e conservação do mundo. Ou seja, se você tiver um charuto cubano, bem construído, bem armazenado, e bem fumado, aí você vai até o céu...
Abraços!
Adriano