Olá amigos!
Alguém aí gosta de História? Eu adoro!
Como bom curioso “patológico”, este é um dos meus assuntos favoritos, pois, como costumo dizer, a História explica o presente.
Sou fissurado em História Antiga, História Militar, História de Monumentos/ Construções/ Empresas/ Objetos... mas o melhor mesmo é quando posso unir duas das minhas maiores paixões:
História e relógios!Na linha do tempo da relojoaria, um dos pontos de destaque vai do ano de 1713 até 1765, e concentra-se na figura de um camarada inglês chamado
John Harrison.
Bom, acredito que muitos de vocês devem ter lido algo sobre ele, ou ao menos já ouviram este nome, seja num dos excelentes artigos do nosso Grão-Mestre
Flávio, ou aqui mesmo no nosso Fórum.
Eu também conheci o John Harrison aqui, e a isto devo agradecer ao Flávio, por ter me apontado este que é um dos mais fascinantes personagens da comunidade relojoeira,
se não da comunidade científica! Explicando rapidamente para os que não o conhecem:
John Harrison foi um inglês nascido e criado num pequeno e isolado vilarejo rural no ano de 1693. Seu pai era carpinteiro e, portanto, Harrison seguiu o ofício.
Não se sabe como, John Harrison começou a reparar e construir relógios. Isso em pleno início do século XVIII, quando estes instrumentos eram raros e coisa de gente rica. Portanto não se via relógios por aí, e certamente Harrison não teve fácil acesso a modelos nos quais se inspirar.
O interessante é que, exatamente por não ter acesso à tecnologia relojoeira da época, os relógios de John Harrison eram bem diferentes de tudo o que fora produzido até então. E o detalhe: todos muito,
MUITO precisos, mais precisos do que os melhores relógios de mestres como
Julien Le Roy,
Thomas Tompion e
George Graham.
É uma coisa fantástica de se imaginar como um humilde carpinteiro da roça assimilou de maneira tão completa os princípios da ciência relojoeira – que contém um pouco de física, um pouco de química, um pouco de matemática, e por aí vai – a ponto de saber exatamente em que pontos estavam as deficiências dos relógios da época e
como combatê-las!O cara ou era um ET, ou um viajante do tempo, ou, mais provável, um gênio nato: ele inventou simplesmente do nada
engrenagens que não precisavam de óleo (manja rolamento? Então, John Harrison inventou);
um jeito de se dar corda sem parar o mecanismo (o “
stop work”, embutido até hoje em qualquer relógio);
mecanismos de compensação de temperatura (vejam, no plural!); e um
escapamento muito especial (Grasshopper), que quando posto para funcionar pode ficar séculos sem manutenção.
Mas o que marcou John Harrison e que fez com que a História carregasse esse nome até os dias de hoje foi seu envolvimento com a descoberta de um método para se descobrir a
longitude.
Naquela época, Era das Grandes Navegações, os marinheiro navegavam às escuras, sem saber exatamente em que ponto do oceano eles se localizavam. Obviamente ocorreram muitos acidentes e muita gente e cargas preciosas foram perdidas.
Na tentativa de pôr um fim a estes desastres tão comuns, o governo inglês ofereceu uma quantia [hoje] milionária para quem inventasse um método preciso para se determinar a longitude dos navios em movimento (a latitude já era facilmente encontrada).
Dentre todos os métodos imagináveis, dois se destacavam entre os cientistas teóricos como sendo os caminhos a se percorrer:
a observação dos astros, que exigiria potentes telescópios, muita coordenação (tente olhar num telescópio em um navio balançando!), compilação de tabelas e MUITO cálculo (umas quatro horinhas, com o método já bem desenvolvido); ou
um relógio bem preciso, que marcasse com exatidão o horário do porto de saída (do qual a longitude já era conhecida), para comparação com o horário local do navio.
Para estes teóricos, o primeiro método era complicado e trabalhoso, mas era o único que oferecia alguma esperança, já que um relógio que se mantivesse preciso no rigor de uma viagem de navio era praticamente
impossível (Sir Isaac Newton disso isso!).
O problema é que estes teóricos não contavam com John Harrison!Este camarada – repito,
um mero carpinteiro da roça – fez o que parecia impossível: desenvolveu o tal relógio super preciso.
Sinceramente, gostaria de detalhar aqui o quão difícil foi fazer um relógio que se mantivesse preciso durante uma viagem de navio, mas não o farei, pois para isso precisaria (re)escrever um livro, mas posso dizer que este relógio, para obter tal precisão (
-5 segundos em seis semanas!), precisou vencer o balanço do navio, precisou vencer a extrema umidade e a enorme variação de temperatura a que foi submetido, e ainda precisou ser portátil. Tudo isso numa época em que mesmo os reguladores de pêndulo variavam
minutos por dia!O feito parecia tão fantástico, mas
TÃO fantástico, que John Harrison, ao invés de ter sido aclamado como um grande gênio logo de cara, foi visto com desconfiança, penou horrores para conseguir que lhe pagassem o prêmio prometido. Seu relógio teve de ser submetido a repetidos e exaustivos testes, a fim de provar que a assustadora precisão não se tratava de sorte ou trapaça.
No fim das contas, seu famoso relógio, o H4, não se mostrou muito influente a ponto de servir como modelo para os futuros cronômetros marítimos, pois era por demais complicado, mas John Harrison foi fundamental para provar para as futuras gerações que
era sim possível a fabricação de relógios super precisos, e que este era o método definitivo para se encontrar a longitude. Ele foi a espoleta que deu o disparo para a corrida pela precisão.
Para os colegas que conseguiram chegar até aqui, deve ser fácil entender o quão fascinante é este capítulo para a História da relojoaria. E para os que desejarem se aprofundar ainda mais sobre Harrison e seus relógios, sugiro uma leitura: escaneei a transcrição de um discurso proferido em 1935 por
Rupert T. Gould – uma das maiores autoridades em Harrison e seus relógios – que aborda este assunto de uma maneira fácil e gostosa de ler, e ao mesmo tempo bem detalhada, de um jeito que eu jamais conseguiria igualar.
O link é este aqui:
John Harrison and his timekeepers, por Rupert T. Gould (no Firefox, clique com o botão da direita e em "
Salvar link como..."). Arquivo longo, com 6,5 MB, escaneado em qualidade de impressão e fotos dos relógios de Harrison.
Espero que gostem, e espero ter convencido ao menos um colega a se aprofundar neste assunto (pelo visto, acho que só o Flávio e eu gostamos dessas coisas aqui no Brasil).
Se quiserem maiores informações ou dicas, possuo em minha biblioteca diversos livros que tratam sobre John Harrison, e posso dar maiores recomendações.
Um abraço a todos, e desculpem a looooonga mensagem!
Igor