Caros!
Bem, faz tempo que não faço algum tipo de review. Realmente tenho tido pouco tempo para elaborar textos longos e mais precisos e por isso fico devendo uma série de reviews. Mas este em especial serve não apenas para compartilhar as informações mas especialmente como exercício pessoal para entender pelo menos em partes os segredos do Diaphane One.
Não há quase nenhuma literatura sobre assunto, nem na internet, salvo um raro artigo em italiano que assim como eu, não tem acesso a todas as informações. Boa parte desse mecanismo é segredo e acredito que mesmo se eu desmontasse o relógio todo talvez não poderia divulgar os segredos. Sei lá, a discussão também não é essa.
De todo modo, trata-se de um mecanismo consideravelmente complicado, a ponto de que sua compreensão é difícil pela mera observação dele. Curiosamente, o que deveria ser mais complicado, que é a transmissão de força para o escapamento, é bastante simples.
O mecanismo é fabricado pela ETA e recebe o nome de A93.001. Possui 14 linhas de diâmetro, 164 componentes, 25 rubis e funciona a 21.600 a/h. Sua reserva de marcha é de 50 horas. É movido por três tambores de corda. Um dos mistérios começa aqui: não se sabe de os tambores funcionam em série ou em paralelo. De toda forma, um deles possui brida deslizante. Caso funcionem em série, supõe que o último deles possui a brida deslizante. Isso significa que apesar de ser um mecanismo de corda manual , sua corda nunca chega ao fim, como em um relógio automático. Para carregá-lo completamente, uma vez totalmente parado, bastam 50 voltas da coroa. Para manutenção da corda no dia-a-dia, bastam 25 voltas.
Sua característica principal é o fato de se basear no princípio do turbilhão. Ou seja, o escapamento gira de modo a cancelar por compensação o desequilíbrio intrínseco do conjunto balanço-espiral. Mas não é um turbilhão "per se", uma vez que não é apenas o escapamento que gira, mas toda uma parte do trem de rodagem. Sim, apenas uma parte, pois nesse mecanismo o escapamento, o segundeiro e a indicação de horas e minutos são totalmente independentes um do outro! É um conceito totalmente diferente de qualquer mecanismo.
Conforme discussões anteriores, e de acordo com a própria divulgação da Swatch, ele não é um turbilhão nem um carrossel. E concordo também que seu conceito seja mais parecido com o do Freak da Ulysse Nardin, pelo fato de não somente o escapamento girar, como seria um turbilhão ou carrossel, mas todo o trem de rodagem ou parte dele.
O turbilhão clássico na verdade não é complicado. Ele é sim muito delicado e requer muita precisão na sua execução, mas não é complicado. E além disso, tirando-se a gaiola do escapamento, todo o resto do mecanismo é igual à um convencional. Nada de mais. O turbilhão é na verdade um mecanismo comum com uma adaptação. Não há mudança radical no conceito.
Voltando ao Diaphane One, ele é muito mais complexo que um turbilhão, conceitualmente. A base do mecanismo é fixa. Nessa base ficam os três tambores de corda e o mecanismo keyless, que transmite o giro da coroa ao conjunto de tambores, e no segundo estágio, à rodagem da minuteria. Começa aí um dos mistérios: a rodagem da minuteria é totalmente independente do escapamento e do segundeiro, que por suas vezes são independentes entre si. Enquanto em um relógio tradicional a minuteria é propelida pela roda de centro, que é propelida diretamente pelo tambor de corda ou por meio de ume roda intermediária. E nesse caso, a roda de centro calculadamente, dá uma volta por hora, para receber o ponteiro de minutos. O ponteiro de horas gira apenas em função de uma redução entre a chaussé e a roda canon, feito pela roda da minuteria.
No One, não sei claramente como é feito o jogo de rodagens, mas as horas e minutos são propelidas pelos tambores de corda e os eixos das rodas, visíveis no verso do mecanismo, atravessam todo o mecanismo para receberem os ponteiros na frente do relógio. Por essa razão, o eixo de horas é que atravessa o de minutos, e logo, o ponteiro de horas é montado sobre o de minutos, ao invés do contrário, que é comum. Tudo isso faz parte da porção fixa do mecanismo. Naturalmente, de alguma forma, a velocidade de giro dos ponteiros tem que ser controlada pelo escapamento e essa parte é um mistério. Não sei como isso se dá.
Já na parte móvel, que vemos girar na parte frontal do mecanismo, existem o escapamento e o segundeiro. Esse conjunto dá uma volta a cada 30 minutos, ou seja, é duas vezes mais rápido que o ponteiro de minutos. A parte fixa do movimento possui uma espécie de cremalheira. Um eixo central na parte fixa recebe toda a força dos tambores de corda e é fixa na parte móvel, propelindo toda essa parte. Não fosse pelo escapamento, toda a parte móvel giraria rapidamente, sem controle. O escapamento, montado fixamente na parte móvel do mecanismo, recebe a força naturalmente da cremalheira fixa por meio de um pinhão. A força é transmitida por três roda até chegar na roda de escape, todas montadas em uma ponte em forma de meia-lua. O balanço e a âncora ficam em outra ponte e são totalmente independentes de todo o mecanismo. Apenas se movem porque recebem a energia da roda de escape. O efeito estético da separação das pontes é fantástico, como se a força flutuasse entre uma parte e outra do mecanismo.
Ou seja, conforme a parte móvel é forçada a girar, ela é brecada pelo escapamento. Tudo que os conecta é o pinhão que se conecta à cremalheira. O segundeiro, por sua vez, é também totalmente idependente e é propelido também naturalmente pelo giro da parte móvel, também se conectando à cremalheira por um pinhão. O segundeiro é na verdade irrelevante ao funcionamento do relógio, estando presente somente por uma questão estética enão técnica.
Uma curiosidade é que a cremalheira e os pinhões que carregam o segundeiro e o escapamento possuem dentes retos, piramidais e não epicicloidais. Basicamente, a diferença entre os dois tipos de perfis de dentes é que os dentes "retos" ou piramidais, como queiram chamar, conferem muito mais precisão na transmissão da força eliminando o jogo ou folga entre os dois elementos, mas sob a pena de gerar muito mais atrito e perda de energia. Ou seja, os dentes epicicloidais são muito, muito mais eficientes no quesito de transmissão de energia, mas sob pena de gerarem folga entre os elementos. Isso fica bem óbvio para todos nós na hora de acertar as horas de qualquer relógio: aquele joguinho ou folga no ponteiro de minutos ao girar um pouco para trás ou para frente os ponteiros é efeito dos dentes epicicloidais.
Fica óbvio que os engenheiros fizeram opção pela precisão de encaixe entre a cremalheira e os pinhões sob pena de um alto consumo de energia. Que justifica, por fim, o uso de três tambores de corda. Aliás, pela tampa do fundo, fica bem óbvio que pelo menos um desses tambores é ENORME. Aliás, a análise visual faz parecer claramente um tambor bem grande e outro pequeno. Um suposto terceiro, tem tamanho médio, digamos assim.
Tecnicamente é isso que posso dizer no momento. Vamos ao desempenho: estou usando o relógio há quase duas semanas e não vi ainda variação de nem um minuto. Não consigo precisar o quanto ele variou, até porque, com um segundeiro que gira o tempo todo, não dá para saber quantos segundos se passaram. O teste em aparelhos portanto não é maravilhoso. É um teste difícil de ser conclusivo uma vez que cada teste trará um resultado diferente. Afinal, num intervalo de 30 minutos o escapamento nunca vai estar na mesma posição, além de mudar de posição ao longo de um teste completo que leva cerca e 6 minutos. De toda forma, em qualquer situação de teste, a média de marchas é baixa, cerca de +5 s/dia, mas o delta, ou seja, a diferença entre as marchas não é exemplar. Longe de ser um cronômetro. O delta costuma girar em torno de 15 segundos. Mas que no fim prova o funcionamento do relógio: apesar do delta alto em cada teste isolado, as marchas médias acabam se equalizando como prova a marcha acumulada ao longo de cerca de duas semanas. Prova que o conceito funciona.
É isso. O que posso complementar é que este é um exemplar limitado a 2.222 peças. Todos são como o meu, possuem caixa acrílica e tampa do fundo e luneta de alumínio, como todo Diaphane. O vidro dianteiro é safira. O traseiro não tenho certeza se é mineral ou safira, mas creio ser safira. Possui um diamante de 0,075 quilates, qualidade Top Wesselton. A caixa tem o tamanho padrão dos Diaphane, ou seja, 42mm de diâmetro, mas é consideravelmente mais alta que todos os outros, com 14 mm de altura. A máquina, banhada a ródio, é largamente decorada com acabamento perlage ou oeil-de-perdrix (não sei a diferença entre os dois) e gravações manuais no verso. Vem em um belo estojo de couro forrado em veludo, que recebe uma plaqueta dourada com a mesma numeração de série do relógio. A referência do modelo é SVAK 1000.
Por fim, muitos consideram-no um exemplar de alta-relojoaria. Cheguei à mesma conclusão.
É isso. O review acabou se transformando em um artigo. Agradeço a paciência, a atenção e especialmente o interesse de todos os que leram até aqui.
Fiquem com as fotos procurem observar os detalhes que comentei.
Abraços!
Adriano