É.. Agora o bicho vai pegar.. Até o presente momento foi decretado estado de Greve, por tempo indeterminado, em SP e no PR, somente atendimentos de Urgência e Emergências vão ser realizados.. A tendência é de outros estados aderirem à greve, tornando-a nacional..
Tudo poderia ser resolvido de forma diferente, mas a classe médica não teve, em momento algum, espaço para expor os problemas que o Sistema Único de Saúde está passando para que se pudesse traçar um plano de mudança...
Deixo aqui um texto publicado no jornal Gazeta do Povo, aqui de Curitiba... Escrito por um dos meus professores, Cícero Urban de Andrade:
A Saramandaia da saúde
Cícero Urban
Não vou falar sobre as dificuldades materiais existentes no sistema de saúde brasileiro. Todos conhecemos muito bem essa realidade e os números que entristecem e nos envergonham como cidadãos. Mas vejo, não sem indignação, que esta decisão do governo é um desvio de tudo aquilo que temos propagado e lutado em todos estes anos em que lecionamos na faculdade de Medicina.
Os médicos não são culpados pela má gestão crônica e irresponsável na saúde. Padecemos também, junto com os nossos pacientes, pelas mesmas deficiências na infraestrutura, desorganização e injustiça que levam ao sofrimento de milhões de brasileiros.
Parece que aumentando o número de médicos, ou então melhorando a sua distribuição, poderíamos resolver tudo. E importar médicos e instituir um serviço médico obrigatório durante dois anos aos formandos que entrarem a partir de 2015 seria a solução mágica para um problema altamente complexo. Seria como tratarmos um câncer grave, que é uma doença crônica, apenas com um tratamento agudo e paliativo como uma aspirina. É claro, que no mundo real, isso não deve funcionar.
Este governo, que costuma reinventar a roda na economia (cujas consequências estamos todos vivenciando), agora também está fazendo o mesmo com a saúde. É verdade que o descaso com ela é histórico, e não nasceu nesta gestão. Entretanto, com medidas oportunistas como essa, corremos o risco de atrasar ainda mais as reformas que são urgentes e necessárias.
Mas, afinal, quem são os médicos brasileiros? Por que se recusam a ocupar os postos em tantas cidades onde poderiam ter salários dignos e muito superiores à maioria da população brasileira? Muitos talvez desconheçam, mas o médico, aqui no Brasil, tem, em sua maioria, uma formação técnica e humana muito boa, comparável à de muitos países desenvolvidos. Com a diferença de que somos preparados para tratar as doenças que afligem a nossa população. Mas, mais que isso, para aqueles que já viveram fora do Brasil e exerceram a medicina em outros países, podemos testemunhar que também somos muito mais próximos aos nossos pacientes.
Com os recursos escassos que temos, a falta de investimentos, a burocracia e a falta de planejamento, poucos médicos no mundo conseguiriam fazer até mesmo o que fazemos por aqui. Importar quem vive em outra realidade, sem mudar a realidade aqui, é, na linguagem científica, experiência. E nós, brasileiros, cobaias.
Não é verdade que o médico brasileiro não queira ir para as cidades pequenas ou trabalhar na periferia. Convivo com alunos de Medicina e muitos deles desejam trabalhar no interior. Mas é preciso ter infraestrutura adequada, não bastam bons salários. Tendo tudo isso, não seria nem mesmo necessário obrigar os novos médicos a realizar estágios remunerados; pelo contrário, talvez precisássemos até de concursos públicos.
A medicina exige uma dedicação contínua e um compromisso com o paciente. Hoje, estetoscópio e caneta, na era da biologia molecular, podem muito pouco. A imagem do médico-sacerdote, quase um mágico, não resolve mais os problemas atuais. Não basta ter o médico presente, sem uma equipe e infraestrutura adequada.
Ao reinventar a roda, o governo deixa de lado todas as experiências positivas existentes em outros países, e que poderiam ser aplicadas também aqui. Tal qual na televisão, estamos assistindo às mesmas novelas de novo, com formatos aparentemente mais modernos e dinâmicos. A história se repete. Mas, para um país como o nosso, repetir é ficar no passado e achar graça das formigas saindo do nariz do povo brasileiro.
Artigo escrito por Cícero Urban, médico mastologista, professor de Bioética e Metodologia Científica no curso de Medicina e na pós-graduação da Universidade Positivo.
Publicado no jornal Gazeta do Povo do dia 16 de julho de 2013.