Boa noite aos caros amigos do Fórum
Sou antigo no fórum, participei do antigo fórum e vim para este com um novo codinome, tendo postado apenas uma vez, vide http://forum.relogiosmecanicos.com.br/index.php?topic=944.0
Agora, volto até vocês com meu nick original para relatar-lhes mais um caso que me aconteceu e que mudou a minha vida. É um acontecido quando eu estava pelos meus doze anos e acabei sendo convidado para uma pescaria com meus tios, lá no interior de São Paulo, perto de Araraquara, onde morava.
Esse pessoal sempre ia pescar juntos e era uma turma grande, lembro-me de uns italianos nossos vizinhos que sempre iam também, inclusive um deles que só conheci por Nonno, já bem mais velho e que tinha fama de rabugento, por causa da scoppa que jogavam. Para quem não sabe, a scoppa é um jogo de cartas muito parecido com o truco, só que este tem origem napolitana enquanto a scoppa é calabresa. Enquanto no truco se ouvem berros e urros, o que dá vazão à alma napolitana, na scoppa se joga com sussurros, rosnados e olhares enviezados, típico da esperteza e malícia dos montanheses, calabreses. Várias vezes vi o velho Nonno, no auge de uma perda qualquer, juntar as cartas e começar a rasga-las, aos brados de tutti fuori casa... portanto, não era sábio que o fizessem perder repetidas vezes, daí a rabugice.
Só para ilustrar, o jogo de scoppa era jogado com um baralho normal, porém apenas com as cartas acima de sete, até o dez, e mais as figuras, num total de 28, se não me engano, tendo como carta principal o sete de ouros, "sette belo", que na contagem final por si só, valia um ponto a mais; jogava-se entre quatro pessoas, duas duplas, recebendo cada uma três cartas, e quatro eram distribuídas na mesa, e quando um dos participantes conseguia somar as cartas necessárias, pegando todas da mesa, "limpava" a mesa, talvez daí venha o nome de scoppa, (escova).
O problema inicial era escolher as duplas, pois ninguém queria ser "premiado" como parceiro do Nonno, que jogava na base do "mangia questa minestra ou salta questa finestra", que em português claro quer dizer, ou dá ou desce. Enfim, iniciado o jogo, havia sempre um esforço conjunto para que o Nonno pudesse ganhar de vez em quando, pois, se isso não ocorresse, a noite terminava com "tutti fuori casa" e mais um baralho rasgado.
Voltando ao assunto principal, um belo dia saímos para uma pescaria, meus tios e a italianada, e tratei de me aboletar no Chevrolet do meu tio Italo, tomando uma estrada de terra que, logo depois da saída da cidade,( cuja rua também era de terra e a gente só sabia que tinha saído porque a ultima casa tinha ficado para trás), iniciava uma pequena serra, de subida bem íngreme. Era minha primeira vez e o entusiasmo era grande, a expectativa maior ainda e o dia só começava a clarear.
Logo de cara ficamos atrás de um caminhão que subia vagaroso na nossa frente, o carro dos italianos aproveitou uma brecha na estrada que se alargava por alguns metros e passou-o, mas nós ficamos a mais ou menos um 5 km por hora alí atrás.
O caminhão seguia lento e inexorável, apesar da buzina e dos impropérios do tio Italo, ameaçando o motorista do caminhão, que não dava caminho, por várias razões: - a estrada estreita não permitia; a poeira era tanta que formava uma cortina impenetrável; o caminhão não tinha espelho retrovisor (que que é isso?); o Chevrolet não tinha força para a ultrapassagem; o cambio dos caminhões naquele tempo eram "seco" isto é, os dentes das engrenagens eram retos e não helicoidais, portanto para a mudança de marcha, além de usar a embreagem, que se chamava desembreio, tinha que se dar um tempo, tirando o pé do acelerador, esperando cair a rotação do motor, diminuindo assim os giros das engrenagens, e só assim a mudança era feita, até que, finalmente, quase no fim da subida, depois de muito xingamento e ameaças, a estrada ficou um pouco mais larga, permitindo a passagem, e a intenção do tio era parar e brigar com o motorista, porem como corria o risco de o Chevrolet não pegar mais, pelo esforço da subida, inclusive já estava quase fervendo, e com a possível tendência de ir para traz, em razão do aclive, resolveu ir embora, pois já estávamos atrasados para a finalidade a que nos havíamos proposto.
Depois de algum tempo, chegamos afinal ao local da pescaria, não recordo o nome do rio, e cada qual foi procurar um "poço" que melhor atendesse suas pretensões, e eu procurei um que ficasse à sombra de alguma árvore, já que estava caindo de sono por ter levantado de madrugada, e na medida do possível, defender-me das muriçocas, motucas, borrachudos, enfim, toda a enciclopédia insetívora, e posso afiançar que ali devia haver espécies ainda não descobertas, tal a infinidade de bichos voando.
E olha que para chegar no barranco do rio não foi fácil, pois precisei atravessar moitas de arranha-gato, de urtiga, e outros que tais, e após armar minha varinha de bambu, iniciei uma vigília de horas a fio, prestando uma atenção enorme na linha, para ver se algum peixe abençoado beliscava a isca, mas fiquei mesmo sem pegar nenhum peixe, nenhum se aventurou, a coisa toda foi perdendo a graça e meu entusiasmo foi definhando.
Lá pelas duas da tarde, finalmente chegou a hora de comer, e eu já antevia o belo farnel que meus tios teriam levado, pois toda a organização ficara a cargo deles, e quando abriram o embornal, eu já com o estomago nas costas e água na boca, verifiquei que tinham levado apenas cebolas cruas, e ante a minha expressão, que não devia ser muito boa naquela altura, meus tios se apressaram em explicar que esse era um costume italiano, que na beira do rio essa era a melhor alimentação, pois esses bulbos, além de terem um grande teor nutritivo, ainda tinham a incrível propriedade de afastarem os insetos em um raio de muitos metros.
A princípio não compreendi direito, mas como não tinha mais nada (eu bem que procurei em alguma dobra escondida da sacola) me vi obrigado a me submeter ao cardápio e, pouco tempo depois, compreendi perfeitamente a técnica das cebolas, pois naquele calor infernal com todo mundo suando, a exudação dos odores cebolíferos pelos poros provocou o efeito de afastar não apenas os insetos mas qualquer ser vivo que por ventura estivesse por aquelas paragens, inclusive os humanos como eu, que tomei tal ojeriza por cebolas que durante muitos anos as desprezei aonde as encontrasse.
Foi nesta situação, faminto, enjoado, sem peixe algum, morrendo de calor e procurando alguma brisa, por menor que fosse, para respirar algum ar puro naquele antro de cebola e pinga, que parece ter se aberto um rasgo nos céus e surgido uma luz brilhante na qual me abriguei. De olhos fechados, comecei a rezar sem parar, bem contrito, e certamente graças às minhas mais pungentes orações, pois naquela tarde me tornei um cristão convicto, lá pelas quatro da tarde os italianos sugeriram muito disfarçadamente que retornássemos que o dia não estava muito bom, ou seja, de peixe nem sombra. Descobri mais tarde que em pescaria ninguém pede para ir embora, como se a falta de esperança fosse um sacrilégio, daí a italianada estar meio sem jeito por sugerir a volta.
Essa excursão foi sem duvida um marco em minha vida, pois jamais retornei á beira de qualquer rio para pescar, apesar dos frequentes convites, que sempre recusei, agradecido, especialmente se tivesse o envolvimento de meus tios ou de algum italiano, isso extensivo aos descendentes e afins.
Um abraço especial a todos os amigos
LEAL
Sou antigo no fórum, participei do antigo fórum e vim para este com um novo codinome, tendo postado apenas uma vez, vide http://forum.relogiosmecanicos.com.br/index.php?topic=944.0
Agora, volto até vocês com meu nick original para relatar-lhes mais um caso que me aconteceu e que mudou a minha vida. É um acontecido quando eu estava pelos meus doze anos e acabei sendo convidado para uma pescaria com meus tios, lá no interior de São Paulo, perto de Araraquara, onde morava.
Esse pessoal sempre ia pescar juntos e era uma turma grande, lembro-me de uns italianos nossos vizinhos que sempre iam também, inclusive um deles que só conheci por Nonno, já bem mais velho e que tinha fama de rabugento, por causa da scoppa que jogavam. Para quem não sabe, a scoppa é um jogo de cartas muito parecido com o truco, só que este tem origem napolitana enquanto a scoppa é calabresa. Enquanto no truco se ouvem berros e urros, o que dá vazão à alma napolitana, na scoppa se joga com sussurros, rosnados e olhares enviezados, típico da esperteza e malícia dos montanheses, calabreses. Várias vezes vi o velho Nonno, no auge de uma perda qualquer, juntar as cartas e começar a rasga-las, aos brados de tutti fuori casa... portanto, não era sábio que o fizessem perder repetidas vezes, daí a rabugice.
Só para ilustrar, o jogo de scoppa era jogado com um baralho normal, porém apenas com as cartas acima de sete, até o dez, e mais as figuras, num total de 28, se não me engano, tendo como carta principal o sete de ouros, "sette belo", que na contagem final por si só, valia um ponto a mais; jogava-se entre quatro pessoas, duas duplas, recebendo cada uma três cartas, e quatro eram distribuídas na mesa, e quando um dos participantes conseguia somar as cartas necessárias, pegando todas da mesa, "limpava" a mesa, talvez daí venha o nome de scoppa, (escova).
O problema inicial era escolher as duplas, pois ninguém queria ser "premiado" como parceiro do Nonno, que jogava na base do "mangia questa minestra ou salta questa finestra", que em português claro quer dizer, ou dá ou desce. Enfim, iniciado o jogo, havia sempre um esforço conjunto para que o Nonno pudesse ganhar de vez em quando, pois, se isso não ocorresse, a noite terminava com "tutti fuori casa" e mais um baralho rasgado.
Voltando ao assunto principal, um belo dia saímos para uma pescaria, meus tios e a italianada, e tratei de me aboletar no Chevrolet do meu tio Italo, tomando uma estrada de terra que, logo depois da saída da cidade,( cuja rua também era de terra e a gente só sabia que tinha saído porque a ultima casa tinha ficado para trás), iniciava uma pequena serra, de subida bem íngreme. Era minha primeira vez e o entusiasmo era grande, a expectativa maior ainda e o dia só começava a clarear.
Logo de cara ficamos atrás de um caminhão que subia vagaroso na nossa frente, o carro dos italianos aproveitou uma brecha na estrada que se alargava por alguns metros e passou-o, mas nós ficamos a mais ou menos um 5 km por hora alí atrás.
O caminhão seguia lento e inexorável, apesar da buzina e dos impropérios do tio Italo, ameaçando o motorista do caminhão, que não dava caminho, por várias razões: - a estrada estreita não permitia; a poeira era tanta que formava uma cortina impenetrável; o caminhão não tinha espelho retrovisor (que que é isso?); o Chevrolet não tinha força para a ultrapassagem; o cambio dos caminhões naquele tempo eram "seco" isto é, os dentes das engrenagens eram retos e não helicoidais, portanto para a mudança de marcha, além de usar a embreagem, que se chamava desembreio, tinha que se dar um tempo, tirando o pé do acelerador, esperando cair a rotação do motor, diminuindo assim os giros das engrenagens, e só assim a mudança era feita, até que, finalmente, quase no fim da subida, depois de muito xingamento e ameaças, a estrada ficou um pouco mais larga, permitindo a passagem, e a intenção do tio era parar e brigar com o motorista, porem como corria o risco de o Chevrolet não pegar mais, pelo esforço da subida, inclusive já estava quase fervendo, e com a possível tendência de ir para traz, em razão do aclive, resolveu ir embora, pois já estávamos atrasados para a finalidade a que nos havíamos proposto.
Depois de algum tempo, chegamos afinal ao local da pescaria, não recordo o nome do rio, e cada qual foi procurar um "poço" que melhor atendesse suas pretensões, e eu procurei um que ficasse à sombra de alguma árvore, já que estava caindo de sono por ter levantado de madrugada, e na medida do possível, defender-me das muriçocas, motucas, borrachudos, enfim, toda a enciclopédia insetívora, e posso afiançar que ali devia haver espécies ainda não descobertas, tal a infinidade de bichos voando.
E olha que para chegar no barranco do rio não foi fácil, pois precisei atravessar moitas de arranha-gato, de urtiga, e outros que tais, e após armar minha varinha de bambu, iniciei uma vigília de horas a fio, prestando uma atenção enorme na linha, para ver se algum peixe abençoado beliscava a isca, mas fiquei mesmo sem pegar nenhum peixe, nenhum se aventurou, a coisa toda foi perdendo a graça e meu entusiasmo foi definhando.
Lá pelas duas da tarde, finalmente chegou a hora de comer, e eu já antevia o belo farnel que meus tios teriam levado, pois toda a organização ficara a cargo deles, e quando abriram o embornal, eu já com o estomago nas costas e água na boca, verifiquei que tinham levado apenas cebolas cruas, e ante a minha expressão, que não devia ser muito boa naquela altura, meus tios se apressaram em explicar que esse era um costume italiano, que na beira do rio essa era a melhor alimentação, pois esses bulbos, além de terem um grande teor nutritivo, ainda tinham a incrível propriedade de afastarem os insetos em um raio de muitos metros.
A princípio não compreendi direito, mas como não tinha mais nada (eu bem que procurei em alguma dobra escondida da sacola) me vi obrigado a me submeter ao cardápio e, pouco tempo depois, compreendi perfeitamente a técnica das cebolas, pois naquele calor infernal com todo mundo suando, a exudação dos odores cebolíferos pelos poros provocou o efeito de afastar não apenas os insetos mas qualquer ser vivo que por ventura estivesse por aquelas paragens, inclusive os humanos como eu, que tomei tal ojeriza por cebolas que durante muitos anos as desprezei aonde as encontrasse.
Foi nesta situação, faminto, enjoado, sem peixe algum, morrendo de calor e procurando alguma brisa, por menor que fosse, para respirar algum ar puro naquele antro de cebola e pinga, que parece ter se aberto um rasgo nos céus e surgido uma luz brilhante na qual me abriguei. De olhos fechados, comecei a rezar sem parar, bem contrito, e certamente graças às minhas mais pungentes orações, pois naquela tarde me tornei um cristão convicto, lá pelas quatro da tarde os italianos sugeriram muito disfarçadamente que retornássemos que o dia não estava muito bom, ou seja, de peixe nem sombra. Descobri mais tarde que em pescaria ninguém pede para ir embora, como se a falta de esperança fosse um sacrilégio, daí a italianada estar meio sem jeito por sugerir a volta.
Essa excursão foi sem duvida um marco em minha vida, pois jamais retornei á beira de qualquer rio para pescar, apesar dos frequentes convites, que sempre recusei, agradecido, especialmente se tivesse o envolvimento de meus tios ou de algum italiano, isso extensivo aos descendentes e afins.
Um abraço especial a todos os amigos
LEAL