Aí é que está... devemos tentar é mudar "O" país ao invés de tentarmos mudar "DE" país...
Acho que eu fui um pouco simplista com minha afirmação sobre "mudar de país", mas já que a discussão está se aprofundando, deixe-me colocar a coisa num contexto mais específico.
Eu morei em outro país (Austrália) por alguns anos, e continuo trabalhando para a mesma empresa de lá, já faz uns 14 anos. Ou seja, "mudar de país" não estaria condicionado a alguma eventual oportunidade, mesmo hoje. Mas ao invés de continuar por lá, eu me mudei de volta para o Brasil quando me casei em 2007, e resolvi me estabelecer com a família na pequena cidade natal da minha esposa, aqui no interior de SP. Fizemos isso porque a qualidade de vida aqui é excelente, e nossos filhos também poderiam crescer perto dos avós, tios e primos, o que acreditamos ser muito importante pra eles.
Agora deixa eu voltar um pouco a história e o contexto. Antes de ir para a Austrália em 2003, eu sempre morei na cidade de São Paulo, onde nasci e cresci num bairro de periferia na zona oeste, até os meus 25 anos de idade. Eu vi de perto como a violência cresceu na minha vizinhança, assim como crescia no resto da cidade e do país. Ainda quando estava no ginásio de uma escola pública, eu via traficantes vendendo drogas na porta da escola quase todos os dias, eu também vi colegas de classe começando a usar drogas (ali foi o começo do fim para alguns deles), ou mesmo almejando uma posição como traficante também, a única coisa que eu não via todos os dias era a polícia.
Eu tive a sorte de ter pais que, apesar de ambos trabalharem fora (meu pai durante o dia como pedreiro, minha mãe à noite num hospital como enfermeira), eles se preocupavam com a criação e educação dos filhos, e faziam o impossível para estarem presentes nas nossas vidas, então eu e meus dois irmãos menores conseguimos escapar relativamente ilesos enquanto crescíamos ali. Com 14 anos, eu comecei a trabalhar e pude pagar um curso noturno do ensino secundário técnico, num colégio de melhor qualidade, próximo ao centro da cidade. Eu entendia que minha única chance era investir e me dedicar aos meus estudos. Para voltar da escola pra casa, eu tinha que pegar dois ônibus, e como a aula terminava às 11h da noite, era comum chegar em casa por volta da 1h da manhã. Quase toda semana o ônibus era assaltado. E no outro dia eu ainda tinha que acordar às 6h para também pegar um ônibus e trem lotados para ir trabalhar novamente.
Para resumir o resto da história, continuei com meus estudos, iniciei em uma promissora carreira como programador aos 16 anos e tive sucesso em minha vida profissional. Hoje, aos 37 anos, tenho o privilégio de trabalhar em casa (embora num fuso-horário diferente) por poucas horas, enquanto passo bastante tempo com meus 3 filhos pequenos.
Agora, se considerar todo o contexto do meu berço e da minha infância, posso dizer que sou uma exceção da exceção, praticamente ganhei na loteria, seria hipocrisia minha dizer que fui apenas um fruto da meritocracia. Eu tive um bocado de sorte.
Mas existe uma constante nessa história toda: a minha educação. Educação é a base, é o meio de transformação, e é o que justifica todo o resto. Não falo apenas da educação escolar, mas da educação moral e a formação do caráter. E novamente sou exceção, pois tive um pai que foi o meu maior exemplo de honestidade, um homem que tinha uma moral inabalável e um caráter incorruptível, além de ter uma mãe amorosa e caridosa, que sempre nos ensinou a praticar a bondade e a caridade através do bom exemplo para com o próximo.
É claro que não sou perfeito, também já dei meus tropeços, principalmente quando era mais novo, mas aprendi e continuo a aprender com meus erros, assim também posso ser um bom exemplo para meus filhos. Mas é exatamente quando a gente se torna pai e se dá conta de que o bom exemplo também é a exceção, é aí que você realmente começa a considerar o país onde seus filhos estão crescendo.
Sempre tento ensinar aos meus filhos que eles devem primeiro arrumar o próprio quarto antes de sequer pensar em criticar ou elogiar o quarto de seus amigos. Mas quando eles próprios começam a argumentar que quase todos seus amigos não arrumam o próprio quarto, ou que eles têm uma empregada ou a própria mãe que fazem isso por eles, é nessas horas que a gente se dá conta de que apenas o bom exemplo não é suficiente. É o meio em que se vive, não só em casa, mas na escola, nas ruas, nos círculos sociais, tudo isso exerce muita influência sobre eles. E isso tem um peso enorme, ao menos para mim.
Por fim, acho louvável esse espírito patriótico, de cultivar esse ímpeto de querer "mudar o país" antes de querer "mudar de país". Mas também penso que tal mudança está irremediavelmente atrelada a uma transformação cultural generalizada e profunda, e deverá levar algumas gerações até que se veja alguma mudança significativa. Talvez meus netos ou bisnetos possam finalmente ter um país visto da mesma maneira como eu vislumbrei a Austrália quando pude vivenciar de perto pela primeira vez a cultura de um país onde a corrupção, em qualquer esfera, seja a exceção e não a regra; onde 'jeitinhos' simplesmente são inaceitáveis; onde a lei é aplicada a todos, sem exceção; onde motorista dirigindo alcoolizado é realmente preso e impedido de dirigir novamente; onde leis ambientais são respeitadas, fiscalizadas e as transgressões severamente punidas; onde as obrigações tributárias, apesar de altas, não são sonegadas, e a arrecadação é corretamente aplicada sem desvios ou desperdícios. Podem chamar de "vira-latismo", mas é inegável o enorme abismo que há entre lá e cá. Se alguém discordar, gostaria muito de ouvir seus argumentos.