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Entrevista em podcast com Roger Smith

Iniciado por flávio, 25 Agosto 2020 às 09:38:27

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flávio

Parei ontem para ouvir essa entrevista (em inglês), e descobri algumas coisas sobre o dito cujo que normalmente não são abordadas em entrevistas.

- O Roger Smith explicou que tem sim atuado em conjunto com a Universidade de Birmingham para desenvolver algum tipo de revestimento anti atrito e desgaste que possa ser usado em relógios e outras aplicações e elimine a necessidade de lubrificação. Ele não disse qual é a sua participação, o que eles tem em mente e qual o andamento da pesquisa, mas asseverou que está em curso. Eu andei pensando com meus botões o motivo de o Teflon (aliás, assisti a um filme sobre Teflon há alguns dias, chamado Dark Waters, que me deixou até com medo, quase joguei minhas panelas no lixo...) não ser usado em maior escala em peças de relógios. Aliás, que eu saiba, apenas a Rolex usa o revestimento, e mesmo assim apenas nas suas rodas reversoras. E, para dizer a verdade, eu nem sei se aquilo ali é Teflon mesmo, pois a Rolex é pouquíssimo transparente em seus dados técnicos...

- Há dado empírico a respeito da eficiência do escapamento coaxial e, sobretudo, dos novos escapamentos coaxiais de roda única que o Smith tem usado, sobretudo por serem mais leves (a roda de escape tem menos massa e momento de inércia): os relógios equipados com o novo modelo de escapamento usam cordas 4 vezes mais finas do que os anteriores, para manter a mesma reserva de marcha. Ou seja, é como se o modelo novo de escapamento fosse um "motor" de carro mais eficiente.

- Por falar em eficiência, Roger Smith é absolutamente contrário aos modelos de alta frequência. Segundo ele, é possível alcançar altíssima precisão com baixa frequência (ele usa 18 mil BPH. Por falar nisso, só tenho um relógio com essa frequência, o Cricket). E com baixa frequência você precisa de cordas com menos torque, que introduzem menor desgaste em todos os pivôs, rodas, e componentes do relógio. Ele assegurou que, do modo que estão projetados hoje e com os lubrificantes atuais (seu escapamento não usa lubrificação, ressalte-se), seus relógios funcionam tranquilamente sem perda de precisão significativa entre 10 a 15 anos. Ele disse que relógios de alta frequência "consomem" os lubrificantes dos pivôs de forma rápida, o que explica a necessidade de revisões nos relógios atuais, mesmo com óleos modernos, de 5 em 5 anos. Ele disse que seu objetivo é atingir a desnecessidade de revisões por 20 anos.

- A produção de relógios da manufatura continua estável entre 10 a 12 relógios por anos, com 3.5 anos de lista de espera. Ele disse, aliás, que só no ano passado começou a entregar o modelo 2 de sua linha! Ele não é contrário ao uso de novas tecnologias na fabricação, tanto é que adquiriu um torno CNC, mas isso não deve ser usado para incrementar per se a produção, mas sim torná-la mais racional e precisa.

- Há algo bizarro nos números de série dele, a exemplo da Breguet: eles não seguem uma numeração progressiva. Para cada série de relógio há uma série de números começando do 1. Por exemplo, há os números 1,2,3 etc do "Series 1", e números 1,2,3 etc do "Séries 2". Cada modelo de relógio, portanto, tem sua série própria. Mas não só... Se houver um "C" adicionado ao número, quer dizer que este foi "comissioned" (custom made), tendo alguma característica singular pedida pelo cliente. Mas não para por aí... Há números aleatórios na série, que foram pedidos por clientes, e ele aceitou fazer... Em resumo, o que achei bem estranho: não só os números de série são aletatórios como podem ser alterados a pedido do cliente, o que me soou bizarro: se o cliente quer e está pagando, whatever...

- Smith, a exemplo do seu mestre Daniels, também está desenvolvendo um gosto por carros antigos, ao ponto de desmontá-los. Ele disse que tem um Mini 1967, mas como já desmontou e remontou sem motor, etc, tendo adquirido conhecimento, está na hora de vendê-lo.


https://www.listennotes.com/podcasts/minutia-repeater/mr007-a-chat-with-roger-smith-dawZ0XLW7Mz/

Devenalme Sousa

#1
Flávio, eu já tinha lido ou visto algum vídeo defendendo justamente esse ponto de vista sobre a questão da frequência dos movimentos. E fiquei ainda mais intrigado com isso após ler o review do Ferdinand Berthoud Chronomètre, que vc postou. Na contramão de uma certa tendência de muitas marcas que aumentam a frequência dos relógios (os desejados hi-beat), esse relógio super requintado trabalha em baixa frequência. É claro que é um caso à parte, já que se trata de um movimento cheio de recursos especiais, mas ainda assim surpreende uma frequência de 18000 bph em uma peça de alta relojoaria. Se eu estiver falando besteira, releve.

flávio

É bem por aí. Aliás, um dos primeiros textos que escrevi sobre relojoaria, há mais de 20 anos, abordava o assunto (foi, inclusive, publicado na Pulso). A realidade é que os movimentos de alta frequência surgiram como uma evolução que lhes permitissem se contrapor às novas tecnologias que surgiam, sobretudo os Accutron (não estou nem falando dos quartz...). Mas essa evolução certamente tem implicações na durabilidade do relógio. Eu não vou nem comentar o fato de algumas empresas terem aumentado a frequência para diminuir "qualidade", porque não é o foco. Deixo aqui a lembrança do texto. Faz tempo... Acho que eu escrevi isso com uns 22, 23 anos de idade...

https://relogiosmecanicos.com.br/curiosidades/a-evolucao-da-frequencia/

Devenalme Sousa

Legal o texto. Acabei de ler: é bastante didático.

Devenalme Sousa

Vendo a primeira foto desse seu texto, me lembrei de uma dúvida que tenho e sempre me esqueço de perguntar. Por que alguns relógios possuem, além das alavancas do balanço, esse regulador acoplado sobre o balanço, e outros não possuem? Os que possuem possibilitam uma regulagem mais fina?

flávio

#5
Qualquer relógio com escapamento "free sprung" (sem regulador), por incrível que pareça, tem uma vantagem competitiva técnica em relação àqueles que possuem regulador. O regulador na verdade é um "desregulador" do relógio. hhahahahahaha. Sério! Nos balanços "free sprung", o ajuste de marcha diária do relógio é feito alterando-se o momento de inércia do balanço, através de pesos que são jogados para "fora" do balanço (como uma bailarina faz ao jogar os braços para fora, diminuindo sua velocidade), ou para dentro (aumentando a "velocidade"). A mola (espiral) não é alterada, o que mantém o ajuste posicional e isocronismo. O regulador, porém, atua NA MOLA, "desregulando" o relógio. Explicando de outra forma... Você percebe que seu relógio está atrasando 5 segundos, mexe no regulador para adiantar 5 e fica todo "pimpão" que foi fácil fazer, e que o relógio está ajustado. Mas isso desregula o relógio nas posições, pois você altera o comprimento efetivo da mola e seu centro de gravidade. Em resumo: você resolve um problema e cria outros.
Grande parte do sucesso da Rolex nas últimas décadas, cronometricamente falando, se deve a um escapamento que é "free sprung", sem regulador, e utilização da antiquíiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiisssssima espiral de Breguet.

Sobre esse assunto, ainda que en passant, eis o PRIMEIRO texto que publiquei em site na vida, cuja tradução (não é de minha autoria) ocorreu há mais de 20 anos. Deve ter algum erro de terminologia aí, mas eu o julgo claro, mas não o reli nessas últimas décadas.

http://relogiosmecanicos.com.br/curiosidades/o-escapamento-de-ancora/

Devenalme Sousa

Cara, que interessante! Eu jurava que aquilo era uma vantagem técnica! As aparências enganam mesmo! Porque é uma pecinha bonita, né? Um balanço com regulador é bem mais bonito do que um sem.

Ótima tradução, Flávio. Valeu.