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A história do primeiro relógio de pulso

Iniciado por admin, 26 Junho 2017 às 09:42:14

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flávio

No Brasil, talvez por um certo ufanismo e busca por "heróis", a mídia não especializada tende a atribuir a invenção do relógio de pulso a Santos Dumont. Como é cediço, porém, desde o final do século XIX já existiam relógios de pulso - pouco difundidos, que fique claro - sendo usados por forças armadas e produzidos "em série". A Girard Perregaux, por exemplo, fabricou algumas dezenas para oficiais da Marinha Prussiana nos anos de 1890...

Quanto ao pioneirismo da construção do primeiro relógio de pulso usado, a Breguet, de forma documentada, a atribui para si. Há uma discussão pouco comentada na mídia, que diz respeito à incapacidade técnica, ou não, de se construir um relógio de pulso na época. O que quero dizer é o seguinte: o primeiro relógio de pulso não surgiu antes porque não havia condições técnicas para tal? E a resposta a isso só pode ser um sonoro não. Mudge, por exemplo, no final do século XVIII, já havia produzido mecanismos tão pequenos que podiam ser adaptados a anéis. Ou seja, nessa época já havia relógios "de anel", e nada impedia (ou impediu) que fossem adaptados ao pulso. A "invenção" do relógio de pulso, assim, tem muito mais a ver com "moda" do que que "técnica" e, apesar de toda firula criada em torno disso, acredito ser uma discussão boba, incrementada pelos fabricantes para criar nos consumidores um sentimento de prioridade inventiva que não mostra muita coisa... Mas é interessante.

Voltemos à Breguet, que atribui a si, de forma documentada, a primazia do invento.

O documento abaixo demonstra que, em 1810, Caroline Murat, irmã de Napoleão e, na época, Rainha de Nápoles (eis que seu marido, Joachim Murat, estava em campanha militar com Napoleão), encomendou a Breguet dois relógios: um relógio de algibeira com complicação, pela quantia de 100 Louis, e um relógio de repetição com bracelete, por 5000 francos (primeira linha do documento). Creiam, 5000 francos era uma grana INACREDITÁVEL na época, equivalente, hoje, aos mais caros Breguets que a marca de hoje faz. Coisa de rainha mesmo...

O relógio começou a ser fabricado dois meses depois da encomenda, em 11 de agosto de 1810, e foi completado em 21 de dezembro de 1812. Lembrem-se que, na época, tudo era feito artesanalmente e não havia computadores e máquinas CNC, o que explica o prazo relativamente longo de entrega. Pelo registro, é possível saber que era um relógio com bracelete, em formato oval, incorporando um termômetro e repetição de quartos. O escapamento, não usual na época, era de âncora. Ao contrário do imaginário popular, sobretudo atualmente, que se ressalta a "primazia" do "in house", ou feito em casa, isso não aconteceu na totalidade na sua fabricação. Aliás, também ao contrário do imaginário popular, é possível que Breguet sequer tenha colocado a mão na massa na sua fabricação. Breguet, é certo, tinha um workshop no qual trabalhavam vários relojoeiros e, se não conseguisse resolver tudo em casa, subcontratava. A tônica da indústria relojoeira, como procuro ressaltar aqui, nunca foi a produção artesanal por um relojoeiro... Caso contrário, seria impossível produzir mais do que poucos relógios por ano... Basta lembrar que Daniels, seguindo essa linha, só fez uns 35 em toda sua vida! Na fabricação do relógio de pulso para a Rainha de Nápoles, pois, participaram nada mais nada menos do que 17 profissionais, em 34 atividades de fabricação diferentes, todas documentadas e pagas separadamente pelo atellier Breguet.

O relógio, finalmente, acabou custando menos do que a encomenda, 4800 francos, e a entrega foi postergada porque Caroline pediu a troca do mostrador, de ouro com guilloche, para prata com guilloche.

Nos arquivos da Breguet, segundo texto que tomei como base para escrever esse post, de autoria de Emmanuel Breguet, há uma nova entrada do relógio nos atelliers da marca em 1849. Na época, o relógio foi enviado para revisão por Louise Murat, filha de Caroline. Durante a revisão, foram polidos os pivôs, restaurado o mecanismo de repetição, feito limpeza e ajuste. Custou 80 francos...

Em 1855 uma nova entrada na Breguet para revisão é registrada e nunca mais... O relógio simplesmente nunca mais foi visto, seja em leilões ou coleções particulares, e não se sabe se ainda existe.

Com base na informações de descrição técnica contidas nos registros, a Breguet lançou, há alguns anos, a linha "Rainha de Nápoles", que busca replicar o que seria o visual do relógio.

Em suma, a Breguet é sim reconhecida como a primeira manufatura a fabricar por encomenda um relógio de pulso, tudo está bem documentado. Porém, na época não havia empecilho técnico para outros o fazerem. Na minha singela opinião, pois, a Breguet não fez algo "revolucionário" ao fabricar ao relógio... Se fôssemos levar a ferro e fogo o conceito de primazia da invenção, talvez devêssemos atribui-la a Caroline Murat... Sim, porque Breguet apenas fez o que Caroline encomendou.



Flávio

Carbonieri

Flavio, muito interessante. Teria a foto do atual Breguet que seria semelhante ao da rainha?
sic transit gloria mundi

Alberto Ferreira

Bom dia!

Legal, Flavio.
Muito interessantes os registros e as informações e, principalmente, os seus comentários que de certa maneira "desmistificam" o tema.

Grato por compartilhar conosco.  8)

Alberto

Leontap

A Cartier foi a primeira a fazer um relogio masculino, para Santos Dumont ( que era amigo de Louis Cartier) usá-lo em seus vôos, correto?




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eruiz

#4
Citação de: flavio online 26 Junho 2017 às 09:42:14
...

Flávio
Sensacional Flávio!
Parabéns pelo artigo, sempre imaginei que o relógio de pulso teria uma origem anterior !
Mais uma vez parabéns!
Grande abraço!
ERuiz

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Nota:
A repetição da citação foi removida apenas para permitir uma melhor fluência do tópico.
Alberto Ferreira - Equipe de Moderação.

CSM

boa Flavio! muito interessante a historia.

abraços
Membro do RedBarBrazil

AlexandreMed

Excelente Flavio!!!!
Quando tiver tempo incremente com fotos dos modelos, das pessoas e crie um texto no portal principal.. esse tema vale muito a pena!! Parabens e muito obrigado!!

FelipeP

Parabéns Flávio, muito legal este texto.

flávio

Citação de: Leontap online 26 Junho 2017 às 09:55:12
A Cartier foi a primeira a fazer um relogio masculino, para Santos Dumont ( que era amigo de Louis Cartier) usá-lo em seus vôos, correto?




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Não. Como ressaltei acima, a GP já havia produzido relógios de pulso para a Marinha Prussiana nos fins do século 19. Lendo esse texto abaixo agora, percebi que sequer foram dezenas, mas dois mil relógios. Ou seja, a GP foi a primeira fábrica a fazer relógios de pulso em série no planeta. Ah, nesse texto também há uma foto dos Rainha de Nápoles atuais.

http://www.luxos.com/news/watches/3682-top-five-candidates-for-the-first-wristwatch-in-the-world

mmmcosta

Uma coisa em que acredito é que Santos Dumont - pela reconhecida elegância e por ser referência em inovação - fez muito, mas muito mesmo, pela "popularização" do relógio de pulso.
Marcelo

Cosentino

Citação de: mmmcosta online 28 Junho 2017 às 12:21:56
Uma coisa em que acredito é que Santos Dumont - pela reconhecida elegância e por ser referência em inovação - fez muito, mas muito mesmo, pela "popularização" do relógio de pulso.
Salvo engano, Louis Cartier pegou o maior relógio feminino existente, colocou uma pulseira de couro, e entregou a Santos Dumont.
Abs

flávio

Citação de: mmmcosta online 28 Junho 2017 às 12:21:56
Uma coisa em que acredito é que Santos Dumont - pela reconhecida elegância e por ser referência em inovação - fez muito, mas muito mesmo, pela "popularização" do relógio de pulso.


Nas altas rodas sim. Devemos nos lembrar que Dumont era um playboy em Paris na época e frequentava as altas camadas. Se ele estava usando um relógio de pulso, que era algo não na moda, certamente ajudou a difundi-la, como Agnelli o fez ao usar o Royal Oak, que estava encalhado na AP. Porém, o maior motivo de difusão do uso de relógios de pulso foi a primeira guerra.


Flávio

mmmcosta

Citação de: flavio online 28 Junho 2017 às 14:09:59

Nas altas rodas sim. Devemos nos lembrar que Dumont era um playboy em Paris na época e frequentava as altas camadas. Se ele estava usando um relógio de pulso, que era algo não na moda, certamente ajudou a difundi-la, como Agnelli o fez ao usar o Royal Oak, que estava encalhado na AP. Porém, o maior motivo de difusão do uso de relógios de pulso foi a primeira guerra.


Flávio

Concordo. Por isso o popularização entre aspas.
Marcelo

flávio

Resolvi desenterrar esse tópico não por conta da história do relógio em si, mas dos registros e postura de Breguet, segundo aprendi lendo em outros textos depois e recentemente, no museu da marca. Ao final de cada atividade registrada, Breguet lançava a remuneração devida ao artesão responsável por aquela parte, com quantias em regra terminando em 0. Se o trabalho se mostrava deveras satisfatório, ele fazia uma "perninha" no 0 e o transformava em 9, como se fosse uma "gorjeta" pelo bom serviço feito. Mas não só. É possível, também, já que temos discutido aqui sobre custo de produção e valores cobrados, calcular a margem de lucro de Breguet, e confesso que fiquei impressionado. Em regra, Breguet cobrava "apenas" 35% de sobrepreço acima dos custos de produção, salvo se o relógio era muito complexo ou pedido especial (como foi o caso do relógio de pulso da Caroline), o que podia chegar a 80%. No entanto, e há registros, um Souscription, seu relógio de "entrada", custava para produzir cerca de 600 francos, e era vendido por quase 900. A impressão que tenho, hoje, é que cada relógio de luxo produzido tem um custo de produção de centenas de dólares e acaba sendo vendido por milhares, várias vezes o seu custo de produção.


Flávio

Jefferson

Citação de: flávio online 08 Agosto 2019 às 16:15:34
Resolvi desenterrar esse tópico não por conta da história do relógio em si, mas dos registros e postura de Breguet, segundo aprendi lendo em outros textos depois e recentemente, no museu da marca...

...Em regra, Breguet cobrava "apenas" 35% de sobrepreço acima dos custos de produção, salvo se o relógio era muito complexo ou pedido especial (como foi o caso do relógio de pulso da Caroline), o que podia chegar a 80%. No entanto, e há registros, um Souscription, seu relógio de "entrada", custava para produzir cerca de 600 francos, e era vendido por quase 900. A impressão que tenho, hoje, é que cada relógio de luxo produzido tem um custo de produção de centenas de dólares e acaba sendo vendido por milhares, várias vezes o seu custo de produção.


Flávio

Flávio,

Olha, nem tinha notado que o tópico era de 2017, até chegar ao final. Muito bacana a história como um todo, mas está questão dos custos de produção e de venda dos relógios de luxo, hoje, é muito pertinente e consigo aos poucos entender melhor algumas posições que você vem adotando nos seus posts.

Obrigado,

Jefferson.

eflach10

Material legal!! Obrigado!!
Eu também acreditava na história de SD...


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