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As concessões na arquitetura de um movimento em prol da estética

Iniciado por flávio, 17 Janeiro 2020 às 16:02:01

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flávio

Desde que comecei a escrever para o site, meu tema de escolha foi a evolução da cronometria. Tanto é que, para referências isso ou aquilo de relógios, voltava-me aos "universitários". A evolução da relojoaria, como já disse lá no princípio do site, há vinte anos, é a evolução da precisão dos mecanismos de contagem do tempo e, basicamente, além da evolução de lubrificantes, materiais, molas, etc, a criação de novos escapamentos. A história da evolução da relojoaria, em livro que já indiquei aqui milhões de vezes, é contada pormenorizadamente na obra A Revolução no Tempo, de Landes.

Porém, com o retorno da relojoaria mecânica nos anos 90, de forma paradoxal, retornamos ao tempo no qual era impossível conseguir precisão em um relógio e, então, os fabricantes faziam aparatos para "deleite" do dono e terceiros: a utilidade prática do aparato estava em segundo plano. Quem pensou nos relógios cheios de diamantes, esmaltados, etc, exportados pela Bovet no passado para imperadores chineses, pensou certo...

Hoje, ao lado de fábricas que ainda se preocupam com a cronometria - Omega e Rolex vem imediatamente à minha mente, eis que ainda lançam novos escapamentos, submetem seus relógios a testes de precisão, etc - , há uma miríade de marcas que não estão muito aí para isso. E então surgem relógios com dezenas de complicações, passarinhos que cantam, que tocam música, etc...

Mas se uma marca ainda produz relógios que, mesmo na era do quartz, buscam superar as limitações mecânicas e alcançar precisão nos seus relógios, ela fatalmente chama a minha atenção. E talvez chame dos outros. Ou não foi algo fantástico a implementação, pela Omega, de um novo escapamento, mais preciso, nos seus relógios? Ou a nova geometria da âncora da Rolex, que permite maior reserva de marcha e precisão de 2 segundos apenas por dia?

Pois então... Fazia tempo que não lia um artigo tão denso na rede, está no SJX, ao final. O artigo aborda a eficiência do órgão regulador dos relógios, o balanço, partindo de uma premissa de engenharia (minha intenção aqui é resumir os conceitos, para que os não fluentes em inglês tenham acesso a curioso artigo) conhecida: a força de um balanço é proporcional à sua inércia, à amplitude na qual vibra ao quadrado, e frequência ao cubo. Ao se jogar em uma equação os dados, é possível encontrar, para cada relógio, a eficiência de seu balanço, e, em grande escala, a sua teórica precisão. No artigo, o autor elenca dezenas de relógios, sendo que o número 1 em eficiência, é o Breguet com pivôs apoiados em imãs. Ele tem um fator de 850, ou seja, a cada oscilação, ele perde apenas 1/850 da energia que recebeu. Para terem uma noção, relógios extremamente precisos e de marcas que são extremamente preocupadas com isso, como Rolex e Omega (representadas pelos seus calibres 3135 e 8500), giram em torno de 350. O Breguet de fato é um ponto fora da curva.

Mas o autor vai além explicando alguns preconceitos e conceitos. Por exemplo. Nas competições de observatório, eram comuns relógios com balanços enormes (maior inércia), o que seguramente aumentava a precisão. Porém, os testes em observatório eram feitos de forma estática e, para uso "civil", o melhor meio de aumentar a precisão não seria através do maior momento de inércia, mas maior frequência. Segundo os testes, em qualquer cenário, o aumento de frequência causa um aumento exponencial de precisão. Mas nem tudo são flores... Ao aumentar a frequência, para um mesmo tambor de carga, a reserva de marcha diminui, como se um carro passasse a consumir mais combustível. Ora, e se juntássemos tudo, maior momento de inércia, maior frequência, etc, não teríamos um relógio mais preciso? Por que, afinal de contas, o Zenith El Primero usa um balanço de tamanho normal, e não algo gigantesco, mas girando a 36 mil batimentos? Porque a maior inércia e a maior frequência não só consumiria mais "combustível" ainda, como traria mais estresse a todo o sistema, no quesito atrito.

Ou seja, ao projetar um movimento, o engenheiro mecânico deve ter em mente um equilíbrio de fatores que possibilite boa precisão, boa reserva de marcha e boa durabilidade. É por isso que os relógios de marcas conhecidas por se preocuparem muito com questões cronométricas, como Rolex e Omega, não fazem relógios com dias de reserva de marcha (situam-se na faixa de 50 a 70 horas), nem com balanços gigantescos e muito menos com frequências não usuais.

Mas então, o autor chega no ponto principal. Nos dias atuais, nos quais a estética do movimento é levada em consideração, eis que a maioria dos relógios possui backs em safira, concessões são feitas em detrimento da precisão. Ele cita, por exemplo, um modelo da FPJourne que possui muito espaço vazio no movimento e certamente se beneficiaria de um maior balanço, eis que a eficiência do seu escapamento é pobre. Porém, por concessão estética, já que Journe queria um movimento totalmente com engrenagens visíveis, o balanço é pequeno. O mesmo ocorre com os mecanismos extra planos, como o Bulgari Octo, com pouca eficiência, na qual a espessura ditou o tamanho do balanço.

Finalmente, ele aborda o Turbilhão, que certamente é um sistema que "rouba" energia do relógio, ainda que com pouco ou nenhum ganho de eficiência: melhor seria incrementar frequência e tamanho do balanço, que acaba sendo reduzido pelo suporte do turbilhão, do que usá-lo.

Texto bem denso, raro nos dias atuais, bastante interessante.


https://watchesbysjx.com/2020/01/quantifying-performance-movement-design.html

flávio


Adriano

Faz tempo que a internet não tinha um artigo desse nível. Muito bem escrito e preciso, além de trazer ao público um assunto que normalmente só gira nos livros de teoria relojoeira.

Abs.,

Adriano