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Shapiro com mostrador guilloche e outros tópicos...

Iniciado por flávio, 22 Maio 2020 às 11:07:35

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flávio

Joshua Shapiro, um mestre em História, enveredou-se na relojoaria há cerca de 8 anos e, depois de muita experimentação, lançou seus primeiros relógios, que utilizam movimentos alemães da companhia "irmã" da Lang & Heyne, coisa de altíssimo nível. Mas o que o tornou conhecido foram os mostradores em guilloche, inclusive utilizando padrões de desenho nunca antes utilizados por nenhum outro relojoeiro na história, tal a dificuldade de se produzir. Cada mostrador dele, para terem uma ideia, demora entre 100 a 150 horas de trabalho para ser concluído, espaço de tempo no qual Omega, Rolex e seus robôs devem produzir cerca de um milhão de relógios, cobrando caro por isso...

Não sabemos ao certo quem primeiro implementou a técnica na relojoaria, mas os primeiros exemplos conhecidos e produzidos com certa regularidade o foram por Lepine. Mas Lepine não fabricava seus mostradores, aliás, como já ressaltei aqui, essa história do relojoeiro totalmente independente e que faz tudo (no padrão George Daniels, Derek Pratt e cia...) é coisa mais moderna do que antiga: no passado, a divisão de trabalho, que ainda é a tônica na indústria suíça, prevalecia. Então, Lepine não fabricava seus mostradores o que, aliás, é uma especialidade altamente complexa da relojoaria. Se ele os projetou e delegou a terceiro, é outra conversa...

A popularização do mostrador em guilloche, porém, é certa: ocorreu com Breguet. E adivinhem de quem Breguet foi discípulo? De Lepine... E adivinhem quem fabricava os mostradores Breguet? O mesmo artesão que fazia para Lepine... Uma coisa é certa, até mesmo porque Breguet projetava seus movimentos e os mostradores tinham que refletir isso: ele provavelmente também projetava os intrincados padrões dos seus mostradores que, aliás, ainda se refletem na manufatura atual. Porém, não os fabricava.

Shapiro não nega que bebeu na fonte de Daniels e Pratt, que beberam na fonte de Breguet.

O último lançamento dele é inusitado: um mostrador guilloche feito em meteorito. Pode parecer coisa simples, mas não é, pois o escolhido é composto de traços de ferro e níquel, sendo que cada um dos metais tem pontos de dureza diferentes e, portanto, necessitam de uma força diferente aplicada à máquina. O resultado, como podem ver no link abaixo, é belíssimo e o relógio, pelo que é, não é tão extorsivo assim: 20 mil dólares.

https://www.hodinkee.com/articles/infinity-series-p01-by-jn-shapiro-for-collective-introducing

Mas eu indico, além disso, essa palestra, na qual o próprio Shapiro conta a história do guilloche, sendo que muita coisa eu sequer sabia. Por exemplo, eu não sabia que 60% dos padrões utilizados pelos relojoeiros na história foram feitos não em uma máquina roseta, aquela comum que vemos em anúncios de marcas, mas em máquinas de traço reto. Por óbvio, uma máquina faz padrões circulares, a outra, padrões retos. Eu já operei uma máquina de padrões circulares na Breguet, como já mostrei aqui. Nos padrões retos, há um detalhe que sequer tinha conhecimento: como as linhas acabam irregularmente em algum ponto do mostrador, sempre as fábricas irão "esconder" os erros finais de acabamento dos entalhes com um padrão circular ou, o que é mais comum, adicionando uma moldura de submostrador (como o Shapiro, inclusive, faz). Na palestra, ele indica a extrema dificuldade em se fazer os padrões, uma vez que uma mera distração arruina todo um mostrador. Nas grandes fábricas, aliás, ele ressaltou que o trabalho ainda é manual (como na Patek e Breguet), mas com divisão de trabalho, sobretudo para aumentar a produção, como para evitar erros: um operador prepara o mostrador, outro o acopla na máquina, um faz o padrão, outro o polimento, e assim por diante. E muitos fodões da indústria, tal a complexidade, sequer arriscam fazer. Exemplo? Dufour. Sim, Dufour subcontrata seus mostradores a terceiros.

A palestra é em inglês e, portanto, exige o conhecimento da língua. Os vídeos a partir de 1h04 não... Devem assistir. Neles o Shapiro demonstra como faz um dos padrões, criado por ele, mais complexos que existem na arte, o "cesto pequeno dentro do cesto grande". Caras, sério, acho que qualquer pessoa, leiga ou não, consegue só ao assistir a esses vídeos ter uma noção da extrema complexidade do trabalho. Pior: ele foi humilde, porque mostra a partir de 1h10m36 um diminuto erro, um deslize no giro da máquina de corte (coisa da espessura de um fio de cabelo). Resultado? Mostrador de prata descartado...

Vale a pena ver, pois temos a tendência de menosprezar os demais ofícios da relojoaria, como a fabricação de mostradores, ponteiros, caixas, em prol do mecanismo, sendo que a parte visual do relógio é, ou deveria ser, a mais importante. Muito boa essa palestra, recomendo aos que falam a língua assistirem e, aos que não falam, pelo menos assistirem aos vídeos acima indicados.


https://www.youtube.com/watch?v=b-6B776Hw3I


Flávio

flávio

Ps. Na palestra ele faz referência expressa ao "guilloche" usado nos Royal Oak, com um certo desdém. Ele explica que na verdade a máquina usada pela AP (e há um vídeo que publiquei há alguns dias demonstrando isto) é uma outra categoria de "guilloche", criada nos fins do século 19, início do 20, para fabricação de "medalhões". Nessas máquinas, não há qualquer trabalho artesanal, é tudo automatizado, salvo a preparação do mostrador para ser colocado na máquina. A máquina, movida por eletricidade, segue um padrão definido e não intrincado de uma matriz (no guilloche manual, o problema reside em transformar retas e curvas, por vai e vem sobreposto, num desenho bacana). Portanto, esse tipo de máquina, segundo ele, nada mais é do que uma fresa CNC do passado que, ao invés de estar ligada a um programa de computador, está ligada a um "programa" fixado numa matriz metálica, que se movimenta por eletricidade.

Isso diminui as qualidade do mostrador AP, sua beleza e caráter "old school" de feitio? Não, até mesmo porque a AP indica, em seu próprio material publicitário e videos, que tudo é feito na tal máquina, de forma automatizada. Mas seria um estelionato se a AP dissesse que o "guilloche" dos seus mostradores tem a mesma dificuldade técnica e caráter artesanal de um verdadeiro guilloche da Breguet, por exemplo, algo que definitivamente não tem.


Flávio

AlexandreMed

Legal Flávio!
Está assistindo as aulas da HSNY?


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cass

Um "fio de cabelo" de erro e um trabalho perdido. Perfeccionismo levado a sério. Obrigado por compartilhar o conteúdo didático.
QUANTO MAIS AUMENTA-SE  NOSSO CONHECIMENTO, MAIS EVIDENTE FICA NOSSA IGNORÂNCIA.

flávio

Citação de: dr.alexneuro online 22 Maio 2020 às 17:42:30
Legal Flávio!
Está assistindo as aulas da HSNY?


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Vejo quando o assunto me interessa, normalmente vale a pena. Mas tem coisa inútil...

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Jefferson

Muito legal, adorei os padrões e ver um trabalho artesanal tão belo e primoroso.

flávio

Mais

https://www.ablogtowatch.com/j-n-shapiro-infinity-series-p-01-meteorite-dial-watch/


O interessante aí é que o protótipo acabou com uma fissura no meteorito no contador, e um leitor comentou que isso destruía a beleza do relógio. Então, o próprio Shapiro respondeu dizendo que se tratava de um protótipo e estava buscando escolher melhores pedaços do meteorito para não ocorrer isso (apesar de alguns gostarem, segundo ele. Eu não...)