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"Defeito dominó": catástrofe em cadeia vista pelo microscópio

Iniciado por Adriano, 02 Janeiro 2014 às 12:30:24

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Adriano

Esta sequência de fotos feitas com microscópio mostram como um defeito pode levar à uma sequência de estragos se o relógio continuar sendo usado ou se peças forem forçadas de alguma maneira.

Este é o resultado do que houve com um calibre 2500 que aparentemente começou com um dente quebrado do pinhão da rochet intermediária OU um dente quebrado da própria rochet. Não é possível precisar o que aconteceu, como o defeito se originou ou por que. Mas é certo que peças foram forçadas, aparentemente na tentativa de se dar corda pela coroa, o que provocou a quebra catastrófica de mais e mais dentes de ambas as peças e que o relógio foi muito usado nessa condição pois todo o automático foi sobrecarregado. Isso fica evidente pela condição da roda inversora: o defeito entre a rochet e rochet intermediárias, que deixou-as "banguelas", interrompeu o caminho de forças entre elas, não permitindo que o clic, que bloqueia a rochet intermediária, funcionasse corretamente. O mecanismo funcionou por muito tempo sem clic, fazendo a força voltar pela roda de transmissão e ser toda suportada adivinhem por quem? Pela roda inversora, que consegue de certa forma fazer o papel de clic e permitir que a corda não se desenrole. Resultado: a roda inversora sofreu tanto esforço que teve um pivô decepado depois de deixar ovalado o furo do rubi que o apóia, e quase decepando o pivô oposto.

Os dentes quebrados se espalharam pelo mecanismo, um ou alguns deles se prenderam entre o tambor e a rochet intermediária ou a roda de transmissão e arranharam profundamente o tambor, quase "carcomendo" ele. As limalhas de metal e os fragmentos de rubi estão em todo o mecanismo.

É certo que um problema desse, desde o princípio não conseguisse ser percebido. No mínimo, um "clic" estranho e uma escapadinha na corda pela coroa seriam sentidos se apenas um dentinho tivesse quebrado. Com o evoluir da coisa, ao clic perder seu efeito, o relógio passaria a mal carregar a corda.

Moral da história: um simples "estalinho" diferente ou uma evidente deficiência de carregamento, se ignorados, podem levar à uma reação em cadeia dessas.

Situação do tambor e da rochet:








Vejam a rochet "banguela" e o "rasgo" no tambor. Notem o estado dos dentes adjacentes:













Aqui o pinhão da rochet intermediária, banguela também, e um dente dele quebrado, perdido sobre o tambor:








Aqui o pó de rubi gasto com limalha:





Aqui o pivô da roda inversora que foi decepado de tanto desgaste, e imagens do respectivo rubi que teve o seu furo ovalado. Beira o inacreditável:








O mesmo rubi visto pelo lado inferior da ponte:






Estado do que sobrou do pivô oposto:











E por fim uma roda inversora nova, apenas para título de comparação de como os pivôs deveriam parecer:






É isso aí.

Abraços!

Adriano






CSM

Caraco... Na minha humilde ingnorancia me parece um estrago...
Membro do RedBarBrazil

jfestrelabr

Preço da brincadeira Adriano? só para ter uma ideia de quanto é valiosa uma revisão periódica hehehhehe
Rolex ou Rolex.

Fórum Genérico, respostas genéricas.

ThiagoDF

Nossa, baita estrago mesmo... :o

Isso não deve sair barato para consertar.
Membro do RedBarBrazil

michelim

"The Quality Remains Long After the Price is Forgotten."

Alberto Ferreira

Impressionante.
E, sobretudo, muito didático.
Eu espero...  ::)

Adriano, eu sei que é uma resposta difícil, mas numa mera "avaliação", com a prática de quem como você vê estas cenas com certa frequência, daria para dizer em quanto tempo um estrago assim passa a barreira do reversível?
Eu pergunto porque eu sei que provavelmente há muitos entre nós que ainda podem tender a acreditar que dá para dar uma usadinha, mesmo com a corda "resmungando" ("rascante") e pesada para carregar...

Alberto

TUZ40

"All your base are belong to us"

Adriano

Citação de: Alberto Ferreira online 02 Janeiro 2014 às 14:33:04
Impressionante.
E, sobretudo, muito didático.
Eu espero...  ::)

Adriano, eu sei que é uma resposta difícil, mas numa mera "avaliação", com a prática de quem como você vê estas cenas com certa frequência, daria para dizer em quanto tempo um estrago assim passa a barreira do reversível?
Eu pergunto porque eu sei que provavelmente há muitos entre nós que ainda podem tender a acreditar que dá para dar uma usadinha, mesmo com a corda "resmungando" ("rascante") e pesada para carregar...

Alberto


Amigo Alberto, realmente é uma resposta difícil. Uma coisa é certa: a velocidade na qual o estrago ocorre aumenta em P.G. Não sei se é uma analogia muito clara, mas é mais ou menos como quando um motor de um um carro de competição explode. Ele não explode do nada, ele deve começar a perder rendimento, faz um barulho estranho, o barulho aumenta e meio que de repente estoura de maneira catastrófica, daquelas que a biela rasga o bloco, vaza todo o óleo em segundos, essas coisas. Em quanto tempo isso acontece? Bem, pode acontecer ao longo de voltas, ou acontecer entre uma curva e a outra do circuito. Começa com um canalzinho de óleo que entope, cria um ponto de aquecimento na parede do cilindro, começa a derreter a lateral do pistão, e de repente chega o limite físico das peças, e a 18.000 rpm, quando isso acontece, desbalanceia tudo e o motor vira um caco.

Claro que é tudo mais devagar no relógio mas a coisa também acontece como um barulinho, que vai ficando pior e pior e de repente já está comprometendo tudo em sua volta. Eu vejo que neste caso dois fatores favoreceram o colapso da roda inversora: a sobrecarga que ela sofreu, em primeiro lugar, e em segundo lugar, a contaminação de sua lubrificação com a limalha vinda lá do outro lado. Isso deve ter tornado o óleo do rubi em uma pasta extremamente abrasiva, e que, com sobrecarga, gastou até o rubi, o que é uma situação que beira o ridículo. O pivô foi simplesmente serrado. E a partir daí, a roda inversora passou a trabalhar contaminada, com sobrecarga, e apoiada somente em um pivô, que estava a beira de ser decepado também. Enquanto a coisa não chegou na roda inversora, eu creio que o problema avançou mais devagar, coisa de um par de meses, talvez um semestre, mas que quando a roda inversora começou a arriar, aí sim a coisa foi rápida, e saiu do controle em semanas eu creio. A roda inversora gira muito rápido, por uma simples razão: tem que multiplicar o giro do rotor mesmo tendo 1/10 do diâmetro dele. Isso, com lubrificação deficiente, é uma bomba relógio.

Por isso, resumindo, creio que isso tudo deve ter levado de 6 meses a um ano, sendo usado todo dia já com o defeito inicial. A partir do momento que você tem a quebra de uma peça, já é uma situação crítica pois ela se solta e estraga tudo. Neste caso, o tambor de corda nada tem a ver com o defeito, mas pagou caro quando girou com um dente enroscado entre ele e a ponte. Vai pro lixo.

Abraços!

Adriano

shun



Alberto Ferreira

Amigo Adriano,
Muito boa a sua descrição, em câmera lenta, daquilo que pode ter ocorrido.

Moral da história.
Tomando o nosso caso, um relógio de pulso, embora em geral isto também aconteça de forma lenta, como no exemplo, ao forçar gradativamente os componentes além da sua capacidade de resistência, ou seja, as coisas podem muito mais começar com um "zzzzzzrrrr" (a minha "sonoplastia" para um ruído anormal  ;)) do que com um "crack", imediato e definitivo (aquele que trava tudo, ali na hora  :P).

E no que tange aos estragos, muitas vezes o pior dos casos é o primeiro.
::)

Abraços!
Alberto

Veiga

Amigos, pois é. No tempo em que os carros ainda tinham paralamas, o mecânico de meu pai ensinava " o paralama cai não quando cai o último parafuso, mas o primeiro".
Assim, em se tratando dos nossos estimados relógios mecânicos, pela plástica demonstração do Adriano, a manutenção é fundamental.
Para mim, a existência de uma autorizada da qualidade da WatchTime para garantir perfeita manutenção é uma condição essencial na aquisição de um relógio.
Meu Moon apresentou pequeno endurecimento da coroa. ainda na garantia e foi revisado pela autorizada com troca da coroa e uma regulagem padrão COSC. Isso é segurança para quem ama seu relógio como um objeto de estimação de verdade!
Já deixei de comprar um relógio que vinha admirando por não ter uma autorizada competente para garantir sempre o bem funcionamento dele.
Só minha ideia a respeito deste importante tema e também meu testemunho, com meu abraço, Veiga.

DiegoOrtega

Nossa Apesar do estado trágico. .. As fotos tem uma precisão incrível

mestreaudi

Caramba, que estrago!!!

E o que deve ter de relógio por aí em vias disso...  :-\

abs!
Rafael.

Carbonieri

Adriano, neste caso ainda compensa trocar as peças danificadas ou já se faz a substituição do movimento todo? abs
sic transit gloria mundi

mmmcosta

Marcelo

Adriano

Citação de: Carbonieri online 02 Janeiro 2014 às 21:09:06
Adriano, neste caso ainda compensa trocar as peças danificadas ou já se faz a substituição do movimento todo? abs

Sim, troca-se as peças. O mecanismo está íntegro em sua base e principalmente no órgão regulador. Trocando tambor, rochet e rochet intermediária, roda inversora e mais alguma rodinha do conjunto, que estão inclusas no preço da revisão (de acordo com a política da marca), e a ponte do automático, esta, não inclusa, fica zerado. Isso é uma fração do preço do mecanismo, mesmo sendo a base de troca. Mas por ser um COSC, e portanto com número de série, a troca é sempre o último recurso.

Abraços!

Adriano

Marcos David

Realmente muito trágico...

Porém, serve como exemplo para que não abusemos dos nossos movimentos e achar que uma revisão não é necessária de tempos em tempos...

Abraços!
"O mundo intriga-me. Não posso imaginar que este relógio exista e não haja relojoeiro." ― William Paley

luiz1978

#18
Meu pai tem um B & M a corda comprado em meados dos anos 80. Depois de muitos anos parado, ele resolveu voltar a usá-lo. Simplesmente deu corda no relógio e colocou no pulso. Pra felicidade dele, o relógio está funcionando perfeitamente e, por incrível que pareça, com uma precisão muito interessante. Do mais que eu insista para que ele leve num relojoeiro para fazer uma revisão, ele acha que não precisa pois o relógio está "normal".
Adriano, minha pergunta é: Nesse caso, se eu pegar o relógio e levar pra fazer a revisão, depois que for aberto, é provável que esteja num estágio em que precise trocar peças por causa do tempo sem nenhum serviço e pelo uso com óleo velho ? Minha preocupação é que meu pai ache que eu levei o relógio que estava "bom" e agora precisou gastar uma grana pra "consertar" algo sem problema, na visão dele.

Adriano

É absolutamente impossível de dizer o nível de desgaste do mecanismo só por palpite. Isso depende de tantas, mas tantas variáveis, que é impossível dizer. Pode simplesmente não acontecer nada e estar tudo perfeito, precisando só de limpeza e lubrificação, ou pode estar a beira de parar de vez e ter uma situação semelhante à do relógio objeto do tópico.

Agora, pode-se dizer com certeza que a chance de ter um problema ou desgaste excessivo é exponencialmente maior usando o relógio nessa condição. É muito provável que ele esteja danificando o relógio ao usá-lo assim. Se isso vai acarretar em troca de peças, ou outro tipo de danos, e em quanto tempo, ou se já alcançou esse estágio, aí é impossível dizer.

Eu sempre gosto de fazer a analogia com carros, já que seu motor é uma máquina, como a de um relógio: você encontra um carro na garagem, que ficou parado por muitos anos. Apenas coloca um gole de gasolina, dá uma carguinha na bateria, dá na chave e ele pega. E aparentemente funciona normal. Você pegaria esse carro e sairia andando com ele numa boa, sem preocupações, já que, afinal de contas, aparentemente está normal?

Outra analogia: creio que todos nós aqui trocamos o óleo do carro regularmente, mesmo que não apresente defeito, certo? Ninguém espera o carro parar de vez, ou começar a demonstrar algo errado, para só aí trocar o óleo, certo? Mecanicamente, não há diferença nenhuma entre agir assim com um carro ou com um relógio. A única diferença aí está no nível de transtorno que um carro pifado causa e um relógio causa: fazemos isso com o carro pois esperar ele parar, para dar manutenção é arriscado, prejudica sua vida, seus compromissos, e pode colocar você em risco, até de vida. Com o relógio não, o risco é muito menor. Não nem para dizer de preço: revisar um relógio fuzilado pode ser facilmente mais caro do que retificar um motor que fundiu por problema de lubrificação.

Então, do ponto de vista prático, há uma diferença enorme em fazer manutenção preventiva em um carro e em um relógio. O prejuízo, como um todo, é bem maior quando se fala em um automóvel. Mas do ponto de vista técnico, não há diferença nenhuma: o prejuízo é o mesmo em se negligenciar a manutenção de uma máquina, como a de um relógio. Se você deixar a coisa estourar para dar manutenção, vai ser mais complicado, mais caro, e mais demorado.

Melhor frase do tópico, do mecânico do pai do nosso amigo Veiga: "o paralama cai não quando cai o último parafuso, mas o primeiro". Simplesmente perfeito.

Abraços!

Adriano