Caras, uma coisa é clara: pode-se dar qualquer atributo de qualidade à Seiko, muitos mais do que muitas marcas suíças, mas a Seiko não é e talvez nunca será uma marca de LUXO. E muitas vezes é só isso que basta para uma marca ser prestigiada pelo público geral. Qualidade, beleza e outros atributos ficam em segundo plano para boa parte de quem consome luxo, por mais que neguem isso.
Em mercados miseráveis como o nosso então, "swiss made" por si só é "luxo", mesmo que venha escrito em uma lata de merda.
A diferença na percepção de marca da Seiko, por conta de sua variedade de produtos e marketing nada agressivo em direção ao luxo (ou em outras palavras, um marketing honesto, pois marketing de luxo de relógios gira em torno de mentiras cabeludas e até cômicas) está explícita neste tópico. É evidente como as percepções são tão diferentes entre os indivíduos e por isso a discussão é em vão.
Abraços!
Adriano
Uma outra maneira de colocar o que o Adriano diz é diferenciar, na percepção de valor do produto, os aspectos tangíveis dos intangíveis. Muitas vezes a gente se pega discutindo "qualidade" apenas pelo aspecto do valor tangível (precisão do mecanismo, qualidade do material, da construção, etc), quando a discussão do valor intangível seria igualmente válida.
Um exemplo: Se você for vender uma camiseta de malha amarela simples, isto representa um produto e um preço. Mas se você pegar esta mesma camiseta e pregar um distintivo da CBF na frente e o número 10 atrás, isto representa totalmente outro produto e outro preço. A história do Pelé e da camisa 10 da seleção confere um valor intangível ao produto que, a meu ver, é perfeitamente justificável e vendável. Há muitas pessoas dispostas a pagar para mostrar que são parte do grupo de representantes (torcedores) da história desta camisa.
Existem diversas maneiras de criar valor intangível para um produto e a que provavelmente é a mais utilizada na alta relojoaria é a exclusividade. Associa-se a marca a eventos relacionados a um estilo de vida exclusivo e elitizado, cobra-se um preço que garanta que poucos possam ter o produto, adicionam-se atributos técnicos tangíveis que diferenciem os produtos, mesmo que minimamente, dos que sejam vendidos a preços "não-exclusivos". A partir daí, o que a marca vende não é somente um excelente relógio em si, e sim uma carteirinha de membro de um clube exclusivo na forma de um excelente relógio. A fórmula do lucro, neste caso, é "baixo volume x altíssimo preço - altos custos (até um certo ponto) = lucro".
Entendo quando o Adriano coloca que muitas vezes são usadas "mentiras cômicas" (sobre os aspectos técnicos de um produto, imagino) para justificar a sua exclusividade. A questão é que, só pelo lado técnico, é impossível mesmo justificar a diferença entre um relógio de $5 mil e um de $50 mil. A questão é que você não pode fazê-los exatamente iguais (senão o marketing do intangível não se sustenta) mas a diferença na percepção de valor vai estar toda fora da questão técnica: desde o design estético até o preço, tiragens limitadas, etc. Não acho que isso seja necessariamente "bullsh*t" - a questão é que tem um monte de gente que valoriza e paga por essas coisas. E, se tem, por que não vender pra elas?
Agora à questão da Seiko em si.
Pelo meu ponto de vista, esse tipo de "marketing de exclusividade" tem lar natural na Europa. Penso que, por lá, a ideia de exclusividade associada à existência de uma aristocracia ou nobreza faz parte da tradição histórica. É só contrastar, por exemplo, como a Europa vende automobilismo (Formula 1, high tech, GP de Monaco, Paddock Club, Ferrari) com a maneira em que isso é vendido na América (NASCAR, Stock Cars, Indy 500, Gasoline Alley, GM/Ford/Toyota/Honda). E o contraste é ainda maior se compararmos com a tradição cultural de um país como o Japão, em que o individualismo não é bem visto e a conformidade às normas, encorajada (não que não haja elite ou castas no Japão, me refiro mais à valorização, no povão, da postura de conformidade).
Considerando a tradição japonesa, o posicionamento do marketing da Seiko (assim como o das companhias japonesas de praticamente todos os segmentos) vai ter poucos aspectos intangíveis. Eles até tentam vender um pouco de história, mas essa questão da exclusividade seria quase um contrassenso na cultura deles. Então os caras pegam pesado em vender a parte tangível (a engenharia do produto, os materiais, a precisão, etc) e, até por necessidade, em massificar o produto. Deste modo, a fórmula de lucro deles vai ser "alto volume x baixo preço - baixos custos = lucro". A dificuldade de uma marca como a Seiko vai ser conciliar a necessidade de vender uma boa engenharia com a necessidade de manter custos baixos - às vezes isso vai resultar em concessões de qualidade que tornem alguns produtos inaceitáveis para um aficionado.
Então, olhando por este ponto de vista, concordo 100% quando o Adriano diz que a Seiko nunca será uma "marca de luxo". Nunca será mesmo. Eles até tentam fazer isso com a Grand Seiko (que faz produtos extraordinários), mas aí é como o Volkswagen Touareg que alguém citou anteriormente: pode ser um super carro, mas ainda é "um Volkswagen".
Do nosso lado, o dos aficionados, essa questão toda abre uma oportunidade de encontrar "bons negócios", penso. Isso porque a escala de valor percebido de um aficionado é um negócio muito particular: o que nos move é uma combinação de inovações técnicas com atributos históricos e de design. Em alguns casos entra a exclusividade, mas não no senso de pertencer ao grupo que vai ver a America's Cup de dentro do barco, mas sim no de ter uma peça rara, ainda que esta tenha origem "humilde". Então, como essa escala de valor está "desalinhada" com a lógica "padrão" do marketing das empresas, pode abrir oportunidades de encontrar relações preço/valor favoráveis - peças pelas quais a indústria não cobra tão caro mas que valem muito para nós. O Flávio outro dia estava citando a Nomos, e este é um dos casos que ilustra o ponto - alta qualidade técnica e de serviço, bom design, mas um preço mais baixo (pq eles ainda não tinham ou tem o nome pra cobrar tão caro quanto outras marcas mais estabelecidas). Outro caso seria o argumento do cara do artigo - de que a Seiko, em alguns modelos, vai oferecer uma ótima relação preço/valor se "exclusividade" é algo que não te interessa ou não está ao seu alcance.
Coincidência ou não, hoje dei pra minha esposa um SARB035 de aniversário