As pessoas, e quando o assunto Rolex vem à tona, fãs da marca, tendem a acreditar que esta era o ó do borogodó como é hoje, navegando sozinha num mar calmo sem concorrentes, fazendo os "melhores relógios do mundo"...
A verdade é que a Rolex consolidou-se no mercado, não podemos negar, com produtos excelentes que replicavam no pulso performance de cronômetros de marinha. Mas isso ocorreu a partir dos anos de 1920, quando Longines, Zenith e Omega, suas concorrentes diretas no futuro que se aproximava, já estavam no mercado há décadas. Pior: tendo passado pela efetiva revolução da centralização da produção (algo consolidado sobretudo por Longines e Zenith) e pelo menos duas crises.
Até os anos 60, a "performance" de um produto contava muito, assim como ainda conta hoje, quando o fulano compra seu "carrão" porque este faz zero a 100 em não sei quantos segundos... Uma pessoa buscava, então, relógios confiáveis e precisos. Na época, relógios eram relógios, objetos com utilidade prática (algo que não é tão verdade como hoje). Sim, algumas marcas tinha sua veia no luxo desde o princípio, como Vacheron, Patek e Audemars, mas em regra o consumidor médio buscava produtos com uma finalidade óbvia: marcas as horas com precisão. Talvez por isso várias marcas "médias" da época tenham ido parar no pulso de militares, porque eram instrumentos per se, como discutimos em outro tópico.
E até o início dos anos 60 os homens usavam ternos e chapéus. Relógios mais parrudos, como os Rolex Oyster, com suas caixas mais espessas, eram considerados peixes fora d´água. Vejam, não estou dizendo que a Rolex não vendesse por isso, pelo contrário, vendia muito, era concorrente direta de Omega e Longines. Porém, seus produtos vendiam pela qualidade intrínseca, muito mais do que pelo visual. Duvidam? Vejam essa passagem de Ian Flaming quando James Bond - um iconoclasta como Fleming e, talvez por isso usuário de um relógio estranho para ternos - resolve trocar seu relógio:
"Bond lifted his left wrist” to check the time. “Remembered that he no longer had a watch. That would certainly be allowed on expenses. He would get another one as soon as the shops opened after Boxing Day. Another Rolex? Probably. They were on the heavy side, but they worked. And at least you could see the time in the dark with those big phosphorous numerals.”
Ela diz muita coisa... A Rolex competia com Omega e Longines nas competições de observatório, e ambas faziam muita propaganda sobre isso, dizendo que seu relógio era ou não "melhor" (mais preciso) para o consumidor. A Rolex ganhou muita coisa nessas competições, até o encerramento destas, detinha o 2 lugar em prêmios.
A grande sagacidade da Rolex foi perceber que um novo estilo de propaganda, que enaltecia AS PESSOAS QUE USAVAM Rolexes, ao invés de sua precisão intrínseca, teria grande resultado. E por isso presenteava personalidades com seus relógios, que depois eram estampados à exaustão nas revistas. Vejam, o presidente tal usa Rolex! O fulano que subiu ao Everest usa também!
Quem não gostaria de ter um relógio que houvesse sido submetido a tais aventuras? Preço por preço, Rolexes custavam o equivalente a Omegas e Longines da época, mas convenhamos, pelo menos no Brasil: não tinham tanta penetração assim. Tinham? Até hoje eu só conheci um "avô" de amigo (tenho 41 anos) que houvesse tido Rolex no passado (estou falando de anos 60 para trás). Rolexes eram excelentes relógios, mas para o homem de terno, gravata e chapéu dos anos 40 e 50, um Constellation era mais cool do que um Datejust.
Omega, Longines e Zenith, porém, diversificaram sua linha até não poder mais nos anos 70 e, quando a crise chegou, foram atropeladas pela nova tecnologia (a Omega praticamente faliu em 1983). A Rolex não... Apostou nos seus relógios de pulso mecânicos, sabe-se-lá porque, pois sua história é rodeada de mistério, e ressurgiu das cinzas - com preços MUITO superiores, pelo menos o dobro, quase o triplo - do que suas antigas concorrentes, que lutaram para não desaparecer. Não sabemos, que fique claro, o quanto a Rolex sofreu nos anos 70, pois a marca sequer divulga balanços. Mas creiam: sofreu, é claro que sofreu. Mas para o cara da minha idade persistiu aquele lance de Longines e Omega (a Zenith não tinha penetração na américa do sul, por questões de nome com a Zenith eletrônicos americana) com o relógio "do avô". Aliás, eu comecei nesse lance de relojoaria com um Omega do meu avô...
Omega e Longines atuais estão muito melhores do que nos anos 80 e 90, mas nem de longe são o que eram nos anos 30, 40 ou 50. A Omega, por exemplo, vende mais relógios do que a Rolex e inflacionou muito seus preços, para "colar" na rival. Mesmo assim, em preço sugerido, um Omega tem preços pelo menos 50% mais barato do que seu concorrente da Rolex. A Omega conseguiu voltar a vender mais relógios que sua concorrente do passado, mas lucrando muito menos...
Enfim, a Rolex passou de uma marca que era bastante conceituada no passado, mas vista como mais uma, para A marca mais conceituada do mundo atual e A marca. Mas a lembrança que terei na minha cabeça para sempre serão os velhinhos conversando entre si sobre os tais Omega "ferradura", segundo eles, os melhores do mundo...
Flávio