Este Nautilus tem uma história... O lance foi o seguinte. Daniels foi até a Patek para vender sua ideia, como já havia ido à Rolex e Porterscap (não necessariamente nesta ordem). Fato é que Daniels havia projetado o Coaxial para relógios de bolso, depois o diminuído para pulso (o adaptou a um Omega Speedmaster Mark qualquer coisa...) e... Quando se aproximou da Patek, os caras disseram. Bem... O conceito é interessante, mas o futuro (isso no início dos anos 80) para nós, da indústria tradicional, são os relógios mais finos. Portanto, para sequer discutirmos a possibilidade de você nos vender essa ideia, você deve conseguir colocar seu escapamento neste movimento aqui! E lhe deram um Patek, que hoje presumo ser este aí, para que ocorresse a adaptação (estes calibres são extra planos). Daniels narra na sua biografia que a impressão que teve é que os técnicos da Patek (que ele critica pra caramba no livro, assim com a Rolex...) lhe deram a tarefa, praticamente impossível, para se verem livres dele.
E Daniels, quando voltou a Londres (eu não lembro se ele já estava na Ilha de Man nessa época), pensou: de fato, é impossível colocar o escapamento neste troço. Até que ele teve um sonho, no mesmo dia, e pensou que se passasse o pinhão que impulsionava a roda de escape coaxial para algo "ao lado" (uma engrenagem a mais), o troço ficaria plano o suficiente para caber no movimento Patek.
Fato é, no entanto, que Daniels já vinha trabalhando no máximo da tolerância dos seus tornos e não teria condição de fazer a tal roda "pinhão" (que, aliás, se tornou padrão nos primeiros coaxiais da Omega). No seu livro ele diz, então, que contatou Derek Pratt, que lhe emprestou um torno mais pica (a oficina de Pratt era mais bem equipada do que a de Daniels. Mais sobre isso outro dia...) e ele pode fazer a peça.
Essa história é uma meia verdade de Daniels, que só descobri este ano, ao ler um livro sobre Pratt.
Na verdade Pratt, que teve sua formação como relojoeiro da Inglaterra, mudou-se para a Suíça nos anos 60 para projetar relógios para caixas preta de aviões. E sua área de especialização era a produção de componentes através de algo novo na época (e até hoje!), a eletro-erosão. Neste tipo de fabricação não se usam tornos, mas descargas elétricas através de um eletrodo, que fabricam os componentes. Não vou explicar como é, mas é algo que garante muito mais precisão na fabricação de componentes do que prensas, tornos, etc.
Daniels não sabia (nunca soube...) operar isso. Aliás, que eu saiba Pratt é o único independente que usava eletro erosão na sua oficina, e estamos falando de coisas do final dos anos 70! A indústria suíça só começou a usar eletro erosão nos anos 90 e mesmo assim, só as grandes marcas. Pratt estava pelo menos uns 20 anos à frente de todo mundo no quesito fabricação de peças de relojoaria. E vejam: estamos falando de alguém que tinha todo domínio de técnicas tradicionais, ao ponto de dizer que a ferramenta mais importante do relojoeiro é a serra de joalheiro. Mas enfim... A verdade verdadeira, descobri só este ano, é que PRATT FABRICOU ELE PRÓPRIO, ATRAVÉS DE ELETRO EROSÃO, a roda pinhão do escapamento coaxial que foi instalada no Patek.
Provavelmente Daniels deve ter elaborado, depois, um meio de fazer isso em torno. Mas na época da Patek e a pressa (ele apresentou o relógio Patek à marca, com escapamento instalado, apenas 2 semanas depois de visitar a fábrica) em apresentar algo crível para eles, Daniels buscou ajuda... E mesmo na sua biografia, apesar de citar Pratt e ser seu amigo, não lhe deu os devidos créditos.
No livro li de Pratt, há menção no sentido de Pratt ter ficado ressabiado com Daniels por não ter recebido o devido crédito por isso.
Flávio