Dei uma consultada nos alfarrábios agora pela manhã e, inclusive, encontrei a tese dela de Phd, que já baixei e vou imprimir e encadernar para ler com calma no futuro. Ao ler o resumo do que consiste a tese, só então percebi a inovação: o inusitado da tese dela é colocar toda a indústria de "falsificação" de relógios pelos Suíços como a efetiva mola impulsionadora da própria indústria de produção em massa de relógios. Isso não tinha ficado claro para mim durante a palestra, mesmo após a pergunta final de um tiozinho, no seguinte sentido: " e os suíços, o que acharam de tudo isso".
Pois bem, um contexto histórico para aqueles que passaram a acompanhar essa discussão e estão a ver navios, porque não compreendem o inglês (e o FRM é um canal para difundir conhecimentos de relojoaria àqueles que não os possuem ou mesmo não tem acesso a textos em nossa língua).
A relojoaria britânica, sobretudo pela busca pela precisão impulsionada pela necessidade da "descoberta" da Longitude, era a mais aprimorada do planeta, até início do século 19. Há algumas considerações sobre isso num texto meu, aqui:
http://relogiosmecanicos.com.br/curiosidades/the-worshipful-company-of-clockmakers/E como eram os mais aprimorados e referência, evidentemente copiados, como acontece até hoje com marcas famosas. E quando digo copiados, não estou falando que eram "falsificados", a ponto de você encontrar centenas de milhares de relógios com o nome "Graham" impresso, mas sim no estilo e denominação de origem: o simples fato de um relógio ser (ou parecer ser...) produzido em Londres já era motivo suficiente de prestígio.
Na era de ouro da relojoaria britânica, começaram a surgir relógios mais simples do que aqueles fabricados pelos grandes mestres britânicos e só acessíveis aos ricos. Em regra, tais relógios eram considerados "falsificações Holandesas", não porque fossem holandeses na sua origem, mas porque tinham características de relógios feitos originalmente na Holanda e, para dizer a verdade, em todo continente europeu (o que caracterizavam tais relógios, vide foto ao final, eram as "arcadas" nos numerais e ponte do balanço apoiada por dois parafusos, aliás, como a Rolex, Omega, etc, usam atualmente).
Não é novidade, por isso meu questionamento acima inicial sobre a tese da Rebecca, que tais relógios eram feitos na Suíça... Mas como e por que eram feitos na Suíça?
E aí está a novidade na tese dela. Ela acredita e defende na tese que ocorreu a exportação de maquinário e tecnologia inglesas para o continente, por mercadores holandeses. E estes financiaram a mão de obra barata existente na Suíça e desenvolveram uma nascente indústria no local, que posteriormente "engoliu" o criador. Ou seja, a indústria começou impulsionada por um mercado ávido por produtos "cópia", mais baratos, que seriam acessíveis a todos, para depois passar a caminhar com as próprias pernas, apresentando produtos de design próprio e para todas as camadas sociais. Confesso que pensei na China atual quando li isso...
Mas ela vai além, ao ponto de tentar encontrar o "algo bom" em tudo isso, porque não fossem as "falsificações", a classe média britânica e de outros países não teria acesso a produtos tão caros.
Em resumo, seria isso.
As fotos abaixo são de um relógio da coleção do British Museum, assinado "John Wilter", certamente um nome fictício usado pelo produtor para não chamar atenção das autoridades e ter vida própria (como os atuais relógios "inspirados" naquele ou neste modelo, mas que possuem nome próprio, sem necessariamente ser considerado uma "falsificação").
A decoração - e a Rebecca analisa isso na sua tese - é feita para lembrar muito bem aquelas originais feitas pelos ingleses, mas produzida de uma forma mais barata. O alto relevo, nos relógios originais britânicos, era feito através de puncionamento pela parte de trás do desenho, num processo caro e tedioso chamado "Repousse". Sobre a técnica, aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=1YAIwQzmn7EAcreditava-se que nos relógios "falsificados" os desenhos eram feitos através de metal fundido mas, ao que parece, não era o caso (foi autorizado à Rebecca desmontar alguns relógios do British Museum e submetê-los a radiografia): na verdade, estampava-se a figura com uma folha finíssima de metal e, depois, preenchia-se o baixo relevo resultante na parte de trás com chumbo, o que não só escondia o fato com dava mais peso ao relógio.
Deixo ao final, também, um excerto da obra A revolução no Tempo, de Landes, no qual ele aborda rapidamente o tema. Ressalte-se, porém, que o livro contém alguns capítulos exclusivamente sobre a questão da ascensão e declínio da indústria britânica e os relógios "falsificados".
Flávio