O escapamento coaxial, um sistema mais misterioso do que compreendido pelos amantes da relojoaria, foi implementado pela Omega há aproximadamente 2 décadas e propagandeado como a maior revolução na relojoaria dos últimos 250 anos. O consumidor atual de relógios de luxo parece cada vez menos interessado na técnica envolvida na produção dos modelos, mas propagandas que enaltecem a precisão do relógio ainda parecem ter alguma influência no mercado.
Na minha sincera opinião, a parte interessante do escapamento coaxial sequer é o que este propicia em ganhos técnicos ao relógio, mas o tortuoso caminho que levou Daniels a conseguir que fosse produzido em massa.
Logo após o desenvolvimento do escapamento, em meados dos anos de 1970, Daniels, que era um admirador da Longines, entrou em contato com a empresa para tentar convencê-la a adotar o sistema. Através de um amigo, representante autorizado Longines, foi entabulado um encontro na fábrica com o Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da marca.
Na data agendada, Daniels seguiu até a fábrica e simplesmente não foi autorizado a entrar… De acordo com seu amigo, os suíços haviam mudado de ideia, porque não acreditavam que alguém fora da indústria local poderiam lhes apresentar algo útil.…
Após, Daniels foi convidado até a Portescap, fabricante de escapamentos, para apresentar seu novo modelo. Lá, os técnicos da empresa fizeram uma longa apresentação a respeito de um escapamento de força constante que haviam projetado, mas que Daniels sabia ter problemas, simplesmente para demonstrar que acreditavam que seus métodos e produtos eram melhores. Daniels não compreendeu o sentido de uma “reunião” nestes moldes e deixou a fábrica sem sequer explicar sua invenção: os suíços não estavam interessados e o haviam chamado apenas para ressaltar sua “superioridade”.
Mais tarde, Daniels recebeu uma carta o convidando até a FAR (hoje Nivarox/FAR), para que explicasse seu conceito. Para sua surpresa, os técnicos ficaram interessados, mas queriam encomendar 500 mil escapamentos, algo que Daniels, evidentemente, não podia fazer…
Em 1979, o Diretor Técnico da Patek entrou em contato com Daniels e resolveu fabricar alguns protótipos contendo sua invenção. E na maioria das vezes que Daniels foi até Genebra discutir questões técnicas, sentiu-se mal tratado pelos projetistas da marca… Quando o protótipo foi concluído, um ano depois, Daniels foi chamado até a fábrica, e os técnicos ressaltaram que o relógio não funcionava. Daniels indicou que seu projeto não havia sido seguido à risca, momento no qual os técnicos se levantaram da mesa e o deixaram sozinho, dizendo que tinham outro compromisso. Nas suas palavras: “eu não gostei das visitas. Inicialmente, porque eles ficavam ressentidos com minha presença, mas mais deprimente foi a conclusão de que eles eram essencialmente técnicos que não tinham qualquer amor pelo romance e prazer da concepção, projeto e construção de um objeto de arte. Para eles, a relojoaria era um meio de ganhar a vida e, portanto, quanto menos original o trabalho fosse, mais fácil de ser executado”.
Daniels, sentido que as negociações emperrariam, sugeriu a instalação do escapamento em um relógio de pulso da Patek. O que não esperava é que os técnicos lhe ofereceriam um movimento com apenas 2.5 mm de altura para isto, o que levaria sua habilidade para fabricar e equipamentos ao limite. Os técnicos da Patek sabiam que a tarefa era impossível e, portanto, só queriam se ver livres de Daniels…
Em apenas 2 semanas, para surpresa dos técnicos, Daniels conseguiu encaixar um escapamento coaxial no diminuto movimento Patek, e se comprometeram a fazer 3 protótipos. Mas em 1984, depois de 4 anos de testes, idas e vindas a Genebra, a Patek simplesmente disse: “não podemos fazer seu escapamento em série”.
No mesmo ano, a Rolex contatou Daniels para analisar o seu escapamento e, durante uma reunião, o inquiriu a respeito de algumas questões técnicas, sobretudo a baixa amplitude. Daniels explicou que estavam comparando seu modelo com o tradicional, de âncora, e que a baixa amplitude era uma característica, não um defeito. Deixou, então, todos os protótipos que tinha, inclusive o da Patek, com os técnicos da Rolex. Algumas semanas depois, a Rolex o chamou e o apresentou um detalhado estudo que… Indicava que amplitude do escapamento era baixa, algo que Daniels já havia ressaltado!
Os técnicos da Rolex, então, resolveram visitar Daniels na Ilha de Man para analisar como seus modelos eram feitos, sendo que ficaram bem impressionados. Durante os três dias que lá permaneceram, no entanto, informaram-lhe que haviam contatado a Patek e esta havia dito que a construção do escapamento era impossível, razão pela qual estavam declinando seguir adiante nas negociações.
Daniels não perdeu tempo e, após os técnicos da Rolex deixarem a Ilha de Man, seguiu até Genebra para tirar satisfações com o diretor da Patek, que limitou-se a dizer que ele havia sido desleal com a marca ao procurar a concorrente. Ocorre que a própria Patek já havia lhe dito que não produziria os modelos!
Os anos passaram e a relojoaria mecânica começou a ressurgir, com um interesse das novas gerações pelo assunto. No final dos anos de 1980, Daniels já havia publicado suas obras e ministrado diversas palestras, tornando-se conhecido no meio.
Em uma visita ao Museu Internacional de Relojoaria de La Chaux de Fonds, um aprendiz do departamento de restaurações bastante interessado, chamado Kilian Eisenegger, o questionou bastante a respeito dos seus métodos e invenções, e disse que um dia lhe visitaria na Ilha de Man, o que acabou ocorrendo.
Em 1994, por uma ironia do destino, o tal Kilian havia galgado posições até se tornar projetista da ETA. Kilian, assim, levou ao conhecimento dos seus superiores o escapamento coaxial e os convenceu a ouvir Daniels. Depois de um ano de negociações, um acordo foi firmado para desenvolvimento de métodos para produção em massa do sistema. Se Kilian estivesse errado em suas premissas, a ETA gastaria milhões de francos em desenvolvimento, mas ele realmente apoiou Daniels.
Em 1999, depois de cinco anos de projetos e testes, os primeiros Omega Coaxial foram lançados. Não fosse a intervenção direta de Kilian, o projeto nunca teria saído do papel…
Kilian, logo após o lançamento do Omega Coaxial, foi contratado pela IWC, onde participou ativamente dos projetos dos calibres “feitos em casa” pela marca. Atualmente é o Diretor de Pesquisas da Breitling, exímio ciclista e produtor de conteúdo através de drones.
A história, pouco divulgada pela mídia especializada, pode ser encontrada na biografia de Daniels, de sua autoria.