Luis
A questão do preço "justo" de um trabalho já foi discutida aqui, sabe minha opinião. Eu sinceramente não sei definir o que é valor justo de um trabalho. A única coisa que nunca gostei em relojoarias foi a diferença de preço em virtude da marca do relógio e, pior, às vezes entre relógios que são idênticos entre si, mas mais caros. Exemplo: já me deparei com a absurda situação de cobrarem mais caro na revisão de um Rolex Datejust de aço e um de ouro, sendo que o trabalho envolvido para revisar ambos é o mesmo!
Aí vieram com a desculpa de que se o produto que está sendo revisado é mais caro, ocorrendo algum "problema" durante a revisão, o prejuízo da relojoaria também será consideravelmente maior.
Ora, como já disse alhures, isso se resolve com cálculos estilo atuariais usados por seguradoras: englobado no preço da hora de trabalho deverá estar calculado tais riscos. Assim, se o cidadão levar um Patek de 100 mil para revisar e o relojoeiro arranhar alguma peça que necessite troca, por exemplo, no valor de 20 mil reais, esse prejuízo já estará diluído dentro do preço que foi definido como de hora de trabalho.
Assim, tanto faz o cara chegar na loja com um Seiko ou um Rolex: o valor da revisão será o mesmo, independentemente de um custar 500 reais, o outro custar 5 mil.
Dirão: mas isso poderá inviabilizar o trabalho do relojoeiro. Bem...Contratação de serviços faz quem quer não é mesmo? Eu conheço relojoeiros em BH, por exemplo, que não pegam mais relógios antigos para revisar, simplesmente porque o preço que cobram na revisão é fixo e, lá pelas tantas, você se depara com tantos problemas no relógio antigo, que enquanto revisaria o novo em duas horas ganhando x, acaba tendo que revisar o velho em dois dias, ganhando o mesmo x.
Profissional com preços diversos haverá em qualquer lugar. A questão se vale ou não à pena pagar 500 paus em uma revisão de um relógio que custa 500 paus é efetiva. Eu, por exemplo, não pagaria, e procuraria outro profissional.
De vez em quando, porém, nos deparamos com verdadeiras maldições, mas mesmo assim nos arriscamos. Como disse, a contratação quem faz é você. Eu tenho um Longines Avigation que parece amaldiçoado e só foi revisado em autorizadas (umas 3 vezes, mas só paguei duas revisões, uma foi feita de cortesia). Na época, tal relógio me custou 1200 reais, tudo bem que hoje ele custa na loja uns 6 mil, mas no mercado de usados não passa de 3. Eu já paguei em revisões nesse relógio (duas) o valor superior ao que ele custou! Vá entender...
Mas voltando ao tema, não sei como definir o que é valor justo. Nós, por exemplo, acompanhamos aqui de perto o Mauro, que gira as autorizadas Swatch Group no Brasil. É claro que o Mauro não vai dizer, nem o Adriano, mas imagino que montar uma loja com todo ferramental necessário não seja barato. Pagar os funcionários, idem.
Então, como em todo negócio, não é apenas uma simples equação de se olhar também quanto custou sua revisão, quantas horas o cara gastou nela, e multiplicar para saber quanto o relojoeiro ganha. Se eu fizesse simples cálculo, chegaria à conclusão de que um relojoeiro com formação técnica ganharia por hora mais do que eu, Promotor de Justiça de carreira! (não estou fazendo aqui uma hierarquia de profissões, mas apresentando um fato: Promotores e Juízes possuem os maiores salários da administração pública em sentido amplo. Quanto "vale" minha hora de trabalho? Não sei...).
Por outro lado, sigamos agora ao padrão do relojoeiro independente. Luis, ao contrário do que possa ter parecido, nenhuma dessas coisas discutidas aqui - se leu meus textos com atenção - é novidade. Os lubrificantes sintéticos estão no mercado com força total desde os anos 60, técnicas de epilame desde os anos 30, enfim, só não usa quem quer. Os produtos são caros? Sim, são caros. Nos EUA, um vidro de Moebius 9010 por exemplo, custa 25 dólares. 150 ml da solução de fixodrop custa 100 dólares. No entanto, pergunte para o povo de bancada quando tempo um vidro de 2 ml de 9010 dura? Uma eternidade, dá para revisar centenas de relógios.
Então, no final das contas, eu ouso dizer que, em ferramentas - e tudo top - se você gastar 1000 dólares, terá o excelente para fazer revisões em 90% dos relógios que se encontram por aí. Não estou colocando nessa conta um Timer, que você tem que ter, e custam caro. Mas no final das contas, dá para começar um negócio individual com não tanta grana assim.
Mas voltamos à questão: trabalho não é apenas o que se gasta, é o que está envolvido no seu aprendizado.
Imagine se eu fosse um cara com certificação do WOSTEP? Ora, só o curso custa uns 30 mil euros, fora hospedagem. Não é de se estranhar que não exista ninguém que eu conheça no Brasil com um curso desses, pois no final das contas, sairia mais caro do que um mestrado, doutorado, etc, no exterior. E, querendo ou não, a relojoaria foi uma profissão que quase esteve à beira da extinção há alguns anos, e não só aqui, onde a considero extinta, em virtude do pequeno número de profissionais, mas no resto do mundo.
Sobre os relojoeiros, há um grande problema, que já discuti com o Adriano em conversas privadas. Não existe prática sem teoria. Eu nunca poderia fazer uma sessão de julgamento de Tribunal do Júri, onde atuo há 8 anos, sem saber nada de teoria do Direito. O problema é que no Brasil as escolas deixaram de existir há muito e má técnicas foram passadas na "prática" para relojoeiros, ou então técnicas que já estavam ultrapassadas há décadas!
Falando particularmente sobre a lubrificação, nada do que existe nos textos é novidade no mundo "civilizado", eu diria. Sim, a utilização de soluções antidispersantes não é tão difundida no Brasil justamente porque, até os calibres passarem a ter altíssima frequência, a técnica não era necessária! O problema é que desde que a técnica se tornou necessária, as escolas no Brasil já haviam fechado há muito. E quem vai ter saco e interesse (e em regra relojoeiros não entraram na profissão tendo saído de um curso superior, aprenderam mesmo na prática) para ler textos em inglês para aprender a teoria por trás da coisa. Aliás, quantos relojoeiros sabem inglês? Eu os admiro, mas relojoeiros especialistas e teóricos são uma novidade no Brasil. Vou além: são novidade até mesmo no exterior, no livro que tenho sobre a AHCI, os membros criticam o ensino Suíço de relojoaria justamente por causa do interesse que eles próprios tem de criar material humano para as indústrias. E, ao contrário do que parece, nas indústrias ainda vige o sistema de etablissage citado no meu texto, onde cada um é especialista em uma coisa, só sabe fazer aquilo e, pior, nem sabe por que faz. O tal "master watchmaker", aquele cara que constrói um relógio do zero se precisar, é raridade até no mundo civilizado. Aqui, desconheço que exista.
Particularmente sobre o tópico, e encerrando. Não tenho experiência de bancada, mas sigo as ponderações do cara cujo último texto indiquei: não é possível afirmar sem fazer testes que, com lubrificantes atuais, como, por exemplo, o 9415, que foi criado para não se dispersar, seja necessário o uso de alguma outra técnica não dispersante. Cito dois livros onde isso é falado: o do De Carle, Practical Watch Adjustment, inclusive scaneado acima, da década de 60, e o Mechanical and Quartz Watch Repair, do Mick Waters, livro novo (embora muito ruizinho), sendo que ambos não são idiotas, mas "master watchmakers" com M maiúsculo e, inclusive, FBHI.
Quanto aos demais lubrificantes, é o básico do básico. Um relojoeiro que não usa o 9010, o 9020, o D5, o 941 ou 9415 e uma graxa que preste não está lubrificando adequadamente o relógio. Não estamos nem falando aí de Bardhal, mas de usar a simples gasolina mesmo.
Quanto ao tempo das revisões aumentar ou diminuir, em virtude dos lubrificantes, isso, como ressaltei, em opinião compartilhada pelo cidadão que citei acima, do último texto, só testando para ver. Há muitos fatores envolvidos que podem levar à degradação do lubrificante. Uma coisa, porém, é certa, e isso foi dito pelo Adriano e contado a mim pelo Mauro, a respeito do meu Speedmaster, cuja roda de escape foi lubrificada com 9010: não estamos falando aí de anos, mas de meses, dias. Meu speedmaster havia sido revisado (mal revisado, mas já sabia disso, como ventilei em vários posts para vocês) há pouco mais de um ano, e na roda de escape todo o 9010 já havia se espalhado para as laterais.
Ou seja, boa técnica é boa técnica. Há sim alguns exageros, não posso negar. Quanto vale o serviço? Não sei...Aí é uma pergunta estilo Sílvio Santos: quanto vale o show? Pode valer tanto para você, nada para mim.
Flávio