A rusga John Arnold vs Thomas Earnshaw revisitada

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Offline flávio

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A rusga John Arnold vs Thomas Earnshaw revisitada
« Online: 23 Abril 2014 às 23:09:43 »
Há vários anos escrevi um texto explicando o escapamento de cronômetro, cujo desenvolvimento foi disputado por dois grandes da relojoaria britânica, que trocaram diversas farpas entre si.

Eis o texto, que vale a pena ler de novo:

http://www.relogiosmecanicos.com.br/detencao.html

Eu não entrei em detalhes na época sobre as rusgas, até mesmo porque não eram a tônica do texto.

Como estou lendo mais um livro sobre cronômetros, depois de anos, resolvi postar algumas anedotas.

Inicialmente, tenho que penitenciar-me pela ingenuidade, porque após ler dezenas de textos sobre os grandes da indústria britânica, nunca consegui unir os pontos que TODOS, não apenas alguns deles, estavam ativos na mesma época, às vezes fazendo experimentos sem o conhecimento dos demais.

Achei essa história que li agora bacana, mas acredito que outras virão.

Como é notório, Thomas Mudge (o inventor do escapamento de âncora, diga-se) produziu um cronômetro que foi levado a testes em Greenwich em 1774, sob o comando de... Nevil Maskelyne. Esse cronômetro, que hoje encontra-se em perfeito estado de conservação no British Museum, foi o resultado da experiência literalmente "visceral" e que mudou toda sua vida ao acompanhar Harrison a desmontar e explicar o h4. Maskelyne, nesse teste, achou o relógio excelente e disse que nada havia sido testado que apresentasse tanta precisão (adiantou 1 minuto e 9 segundos em 109 dias, descontada a marcha diária média). Então, recebeu grana e autorização da Comissão da Longitude para fabricar mais dois, que foram apelidados de Azul e Verde (um deles, aliás, foi parar no Salão de Matemática e Física de Dresden e também está em perfeito estado. Como tudo isso se conecta? Bem, é outra história...).

Os dois, então, foram colocados em Greenwich para testes e não foram bem, mesmo depois de ajustados. Maskelyne perdeu a paciência e estes não foram autorizados a um teste no mar para receber o prêmio da Longitude (segundo lugar, diga-se, porque teoricamente - isso também é outra história - o primeiro lugar já havia sido ganho por Harrison).

O ano já era 1790 e Thomas Mudge já estava senil e seu filho, advogado, entrou com uma petição no parlamento, como havia feito Harrison, dizendo que a Comissão da Longitude o havia "rasteirado" e que ele merecia uma compensação pelo desenvolvimento da ciência. A acusação era dirigida a Maskelyne, que teria manipulado de forma tosca os cronômetros. Não vou entrar também aqui no mérito das acusações, mas fato é que ele foi agraciado com 2500 libras que, diga-se, era uma fábula na época, algo em torno de 1.5 milhões de dólares atuais.

Aproveitando o ensejo, assim que Mudge apresentou sua petição, outro cara "não importante" nessa história  ;) , chamado John Arnold, puxando a brasa para sua sardinha e fazendo sua propaganda e, claro, já lançando as bases para eventual pedido de dinheiro no futuro, divulgou um panfleto em Londres.

Disse ele que ninguém (referindo-se claramente a Mudge) havia prestado tantos serviços ao país e que seus cronômetros já estavam sendo usados há anos nos navios da Coroa (eh... Acreditam que os primeiros cronômetros dele foram levados com o Capitão Cook nas suas viagens, juntamente com o... K1 de Kendall, cópia do h4? Não funcionaram bem, enquanto o k1 se mostrou excelente).

Continuou... Digo ainda que inventei um novo escapamento que não possui fricção alguma, sendo que óleo não é necessário. Portanto, a utilização de qualquer material, seja diamante, aço, latão ou um pedaço de madeira é indiferente, todos servem ao propósito!

Seu rival declarado, Thomas Earnshaw, então declarou de forma sarcástica:

Vejam senhores relojoeiros! Qualquer tipo de material agora pode ser usado no relógio. Afinal, toda fricção foi excluída dos pivôs e escapamento! Excelente notícia para nós relojoeiros, que agora poderemos fazer todos os relógios de madeira!

O assunto era seríssimo, envolvia fama e grana na época, mas hoje, lendo as passagens, chega a ser até engraçado!  ;D


Flávio
« Última modificação: 23 Abril 2014 às 23:13:45 por flavio »

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Offline igorschutz

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Re: A rusga John Arnold vs Thomas Earnshaw revisitada
« Resposta #1 Online: 23 Abril 2014 às 23:23:41 »
Isso aí você tirou do Marine Chronometer do Gould?
Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
Opinião é como bunda: você dá a sua e eu meto o pau.

NÃO ACREDITE NO QUE 'FALAM' AQUI, ESTUDE BEM E TIRE SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES

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Offline flávio

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Re: A rusga John Arnold vs Thomas Earnshaw revisitada
« Resposta #2 Online: 23 Abril 2014 às 23:37:26 »
Sim, com exceção do local onde se encontra o primeiro cronômetro do Mudge, que na época do livro estava no Science Museum; e a citação sobre onde está o "Verde", que é da minha cabeça mesmo. Mas a história de como ele foi parar lá eu tenho, está num dos livros da coleção sobre relojoaria alemã. E diga-se de passagem, não vi nenhum dos dois. É que o Salão de Matemática e Física só foi reaberto no ano passado e... Acredita que já fui a Greenwich, à Corporação de Ofícios Londrina e não ao British Museum? Detalhe: certa vez fiquei hospedado na Russel Square ao LADO, mas devido às explosões do metrô (eu estava lá cinco dias depois...), eu sinceramente não quis obrigar quem estava comigo na época a visitar mais um local relacionado a relojoaria. Algum dia irei lá. Afinal, além de uma das maiores coleções históricas de relógios extremamente importantes, é o segundo museu mais conhecido do mundo, só ficando atrás do Louvre.


Flávio

Ps. Aliás, vou fazer um "merchand" aqui de um livro que tenho. Esse livro é pequeno, parece inútil MAS É BOM PRABARALHO!

É editado pelo British Museum e, através de modelos que possuem na coleção, traça um panorama claro da evolução da relojoaria. São cerca de 100 relógios e a cada duas páginas um deles é analisado, começando nos relógios "tambor" alemães até os mais modernos. E claro, os mestres estão representados. Vale a pena. Quem não tem esse livro e curte a evolução histórica dos relógios, contada de uma forma diferente, cronológica, não como romance, mas analisando relógios em ordem crescente de tecnologia, deve ler.

http://www.amazon.com/The-History-Watches-David-Thompson/dp/0789209187/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1398307379&sr=8-1&keywords=the+history+of+watches


Flávio
« Última modificação: 23 Abril 2014 às 23:47:34 por flavio »

Re: A rusga John Arnold vs Thomas Earnshaw revisitada
« Resposta #3 Online: 24 Abril 2014 às 17:29:20 »
Boa indicação Flávio.
FIQUEM  TODOS NA PAZ DE DEUS !!!!