Há vários anos escrevi um texto explicando o escapamento de cronômetro, cujo desenvolvimento foi disputado por dois grandes da relojoaria britânica, que trocaram diversas farpas entre si.
Eis o texto, que vale a pena ler de novo:
http://www.relogiosmecanicos.com.br/detencao.htmlEu não entrei em detalhes na época sobre as rusgas, até mesmo porque não eram a tônica do texto.
Como estou lendo mais um livro sobre cronômetros, depois de anos, resolvi postar algumas anedotas.
Inicialmente, tenho que penitenciar-me pela ingenuidade, porque após ler dezenas de textos sobre os grandes da indústria britânica, nunca consegui unir os pontos que TODOS, não apenas alguns deles, estavam ativos na mesma época, às vezes fazendo experimentos sem o conhecimento dos demais.
Achei essa história que li agora bacana, mas acredito que outras virão.
Como é notório, Thomas Mudge (o inventor do escapamento de âncora, diga-se) produziu um cronômetro que foi levado a testes em Greenwich em 1774, sob o comando de... Nevil Maskelyne. Esse cronômetro, que hoje encontra-se em perfeito estado de conservação no British Museum, foi o resultado da experiência literalmente "visceral" e que mudou toda sua vida ao acompanhar Harrison a desmontar e explicar o h4. Maskelyne, nesse teste, achou o relógio excelente e disse que nada havia sido testado que apresentasse tanta precisão (adiantou 1 minuto e 9 segundos em 109 dias, descontada a marcha diária média). Então, recebeu grana e autorização da Comissão da Longitude para fabricar mais dois, que foram apelidados de Azul e Verde (um deles, aliás, foi parar no Salão de Matemática e Física de Dresden e também está em perfeito estado. Como tudo isso se conecta? Bem, é outra história...).
Os dois, então, foram colocados em Greenwich para testes e não foram bem, mesmo depois de ajustados. Maskelyne perdeu a paciência e estes não foram autorizados a um teste no mar para receber o prêmio da Longitude (segundo lugar, diga-se, porque teoricamente - isso também é outra história - o primeiro lugar já havia sido ganho por Harrison).
O ano já era 1790 e Thomas Mudge já estava senil e seu filho, advogado, entrou com uma petição no parlamento, como havia feito Harrison, dizendo que a Comissão da Longitude o havia "rasteirado" e que ele merecia uma compensação pelo desenvolvimento da ciência. A acusação era dirigida a Maskelyne, que teria manipulado de forma tosca os cronômetros. Não vou entrar também aqui no mérito das acusações, mas fato é que ele foi agraciado com 2500 libras que, diga-se, era uma fábula na época, algo em torno de 1.5 milhões de dólares atuais.
Aproveitando o ensejo, assim que Mudge apresentou sua petição, outro cara "não importante" nessa história
, chamado John Arnold, puxando a brasa para sua sardinha e fazendo sua propaganda e, claro, já lançando as bases para eventual pedido de dinheiro no futuro, divulgou um panfleto em Londres.
Disse ele que ninguém (referindo-se claramente a Mudge) havia prestado tantos serviços ao país e que seus cronômetros já estavam sendo usados há anos nos navios da Coroa (eh... Acreditam que os primeiros cronômetros dele foram levados com o Capitão Cook nas suas viagens, juntamente com o... K1 de Kendall, cópia do h4? Não funcionaram bem, enquanto o k1 se mostrou excelente).
Continuou... Digo ainda que inventei um novo escapamento que não possui fricção alguma, sendo que óleo não é necessário. Portanto, a utilização de qualquer material, seja diamante, aço, latão ou um pedaço de madeira é indiferente, todos servem ao propósito!
Seu rival declarado, Thomas Earnshaw, então declarou de forma sarcástica:
Vejam senhores relojoeiros! Qualquer tipo de material agora pode ser usado no relógio. Afinal, toda fricção foi excluída dos pivôs e escapamento! Excelente notícia para nós relojoeiros, que agora poderemos fazer todos os relógios de madeira!
O assunto era seríssimo, envolvia fama e grana na época, mas hoje, lendo as passagens, chega a ser até engraçado!
Flávio