Joshua Shapiro, um mestre em História, enveredou-se na relojoaria há cerca de 8 anos e, depois de muita experimentação, lançou seus primeiros relógios, que utilizam movimentos alemães da companhia "irmã" da Lang & Heyne, coisa de altíssimo nível. Mas o que o tornou conhecido foram os mostradores em guilloche, inclusive utilizando padrões de desenho nunca antes utilizados por nenhum outro relojoeiro na história, tal a dificuldade de se produzir. Cada mostrador dele, para terem uma ideia, demora entre 100 a 150 horas de trabalho para ser concluído, espaço de tempo no qual Omega, Rolex e seus robôs devem produzir cerca de um milhão de relógios, cobrando caro por isso...
Não sabemos ao certo quem primeiro implementou a técnica na relojoaria, mas os primeiros exemplos conhecidos e produzidos com certa regularidade o foram por Lepine. Mas Lepine não fabricava seus mostradores, aliás, como já ressaltei aqui, essa história do relojoeiro totalmente independente e que faz tudo (no padrão George Daniels, Derek Pratt e cia...) é coisa mais moderna do que antiga: no passado, a divisão de trabalho, que ainda é a tônica na indústria suíça, prevalecia. Então, Lepine não fabricava seus mostradores o que, aliás, é uma especialidade altamente complexa da relojoaria. Se ele os projetou e delegou a terceiro, é outra conversa...
A popularização do mostrador em guilloche, porém, é certa: ocorreu com Breguet. E adivinhem de quem Breguet foi discípulo? De Lepine... E adivinhem quem fabricava os mostradores Breguet? O mesmo artesão que fazia para Lepine... Uma coisa é certa, até mesmo porque Breguet projetava seus movimentos e os mostradores tinham que refletir isso: ele provavelmente também projetava os intrincados padrões dos seus mostradores que, aliás, ainda se refletem na manufatura atual. Porém, não os fabricava.
Shapiro não nega que bebeu na fonte de Daniels e Pratt, que beberam na fonte de Breguet.
O último lançamento dele é inusitado: um mostrador guilloche feito em meteorito. Pode parecer coisa simples, mas não é, pois o escolhido é composto de traços de ferro e níquel, sendo que cada um dos metais tem pontos de dureza diferentes e, portanto, necessitam de uma força diferente aplicada à máquina. O resultado, como podem ver no link abaixo, é belíssimo e o relógio, pelo que é, não é tão extorsivo assim: 20 mil dólares.
https://www.hodinkee.com/articles/infinity-series-p01-by-jn-shapiro-for-collective-introducingMas eu indico, além disso, essa palestra, na qual o próprio Shapiro conta a história do guilloche, sendo que muita coisa eu sequer sabia. Por exemplo, eu não sabia que 60% dos padrões utilizados pelos relojoeiros na história foram feitos não em uma máquina roseta, aquela comum que vemos em anúncios de marcas, mas em máquinas de traço reto. Por óbvio, uma máquina faz padrões circulares, a outra, padrões retos. Eu já operei uma máquina de padrões circulares na Breguet, como já mostrei aqui. Nos padrões retos, há um detalhe que sequer tinha conhecimento: como as linhas acabam irregularmente em algum ponto do mostrador, sempre as fábricas irão "esconder" os erros finais de acabamento dos entalhes com um padrão circular ou, o que é mais comum, adicionando uma moldura de submostrador (como o Shapiro, inclusive, faz). Na palestra, ele indica a extrema dificuldade em se fazer os padrões, uma vez que uma mera distração arruina todo um mostrador. Nas grandes fábricas, aliás, ele ressaltou que o trabalho ainda é manual (como na Patek e Breguet), mas com divisão de trabalho, sobretudo para aumentar a produção, como para evitar erros: um operador prepara o mostrador, outro o acopla na máquina, um faz o padrão, outro o polimento, e assim por diante. E muitos fodões da indústria, tal a complexidade, sequer arriscam fazer. Exemplo? Dufour. Sim, Dufour subcontrata seus mostradores a terceiros.
A palestra é em inglês e, portanto, exige o conhecimento da língua. Os vídeos a partir de 1h04 não... Devem assistir. Neles o Shapiro demonstra como faz um dos padrões, criado por ele, mais complexos que existem na arte, o "cesto pequeno dentro do cesto grande". Caras, sério, acho que qualquer pessoa, leiga ou não, consegue só ao assistir a esses vídeos ter uma noção da extrema complexidade do trabalho. Pior: ele foi humilde, porque mostra a partir de 1h10m36 um diminuto erro, um deslize no giro da máquina de corte (coisa da espessura de um fio de cabelo). Resultado? Mostrador de prata descartado...
Vale a pena ver, pois temos a tendência de menosprezar os demais ofícios da relojoaria, como a fabricação de mostradores, ponteiros, caixas, em prol do mecanismo, sendo que a parte visual do relógio é, ou deveria ser, a mais importante. Muito boa essa palestra, recomendo aos que falam a língua assistirem e, aos que não falam, pelo menos assistirem aos vídeos acima indicados.
https://www.youtube.com/watch?v=b-6B776Hw3IFlávio