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Troca de vidros

Iniciado por msch, 16 Janeiro 2013 às 19:08:53

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msch

Boa noite.

Sou novo aqui no fórum mas já acompanho as discussões à algum tempo. Faço meus desmontes em relógios como um hobby somente e só trabalho com relógios automáticos e a corda, de preferência antigos.

Uma das técnicas que eu não domino em nada é a troca de vidros. Já procurei pela internet e não encontrei muita coisa.

Gostaria de saber se alguém pode fazer um "mini curso" sobre as diferentes técnicas de troca de vidros e as ferramentas necessárias.

Obrigado.

Adriano

Não tenho fotos para ilustrar os processos. Mas não há nada muito complicado em lidar com troca de vidros.

Primeiro é bom entender que há três materiais básicos para confecção de vidros: acrílico, que é elástico, vidro mineral e safira, sendo estes dois últimos totalmente duros ou com elasticidade desprezível para essa aplicação. É importante entender isso pois isso determina o tipo de montagem.

Os vidros podem ser montados de quatro maneiras: interferência direta, interferência indireta, aro de retenção ou cola. Mas isso é um parâmetro de projeto; você não escolhe isso. Você apenas segue o processo original de fábrica.

Vidros de acrílico, por sua elasticidade, são capazes de vedar e absorver deformações da caixa apenas pela interferência direta. Ou seja, são montados pressionados contra a caixa e isso é suficiente para vedar. Podem ou não possuir um aro interno de tensão, que promove mais tensão de dentro para fora e normalmente é necessário em vidros que oferecem mais resistência à água. Mas ele pode também pressionar de fora para dentro, sem aro tensionador, como é o caso dos antigos Submariner e Sea Dweller. Em raros casos, vidros de acrílico são colados ou montados com aro de retenção, e mais raro ainda usarem junta de vedação.

Por serem os vidros de acrílico o próprio elemento vedante, sem intermediários entre ele e a caixa, eles devem ser tratados como tal e como regra, em relógios resistentes a água, devem ser trocados sempre que removidos e nunca reaproveitados. Isso é a normativa profissional; como hobby, não há problema em reaproveitar um vidro. O que ocorre é que se um vidro ainda está bem encaixado, é possível que sua remoção cause micro-trincas nele ou "macro" trincas. Ele pode simplesmente se partir. E por isso deve-se usar um novo. Agora, se sair fácil, também é sinal de que não está vedando mais e também deve ser substituído.

Já vidros duros, como os de safira ou minerais, também são montados por interferência, mas indireta. Uma junta tem que existir entre o vidro e a caixa. E essa junta tem a funcão de segurar o vidro no lugar e vedar. E de quebra, absorver deformações da caixa. A junta desse tipo de encaixe é de um plástico duro, pode ser Nylon, Hytrel, Delrin, Asutane, etc. Esse é o sistema mais comum em todo relógio moderno.

Outra maneira de fixar vidros duros é com aro de retenção. Também usa junta, mas uma junta bem mais compressível, de borracha. Nesse sistema a junta tem só função de vedar, e não de segurar o vidro no lugar. Quem segura o vidro no lugar e comprime-o contra a junta e a caixa é o aro de retenção, que pode ser rosqueado ou encaixado por interferência. Esse é o clássico sistema dos antigos Seiko 6105 e 6309.

Por fim, a cola. Vidros duros em relógio com pouca ou nenhuma resistência a água existe, ou onde o vidro tem formato especial que impossibilita a confeção de uma junta, usa-se cola. Mas não é cola qualquer. É especial para isso, pois é bem líquida, para perfeito preenchimento e acabamento, e sua cura se dá por luz ultra-violeta. Além disso, ela tem uma transparência e índice de refração iguais ou muito próximos à do vidro.

Essa é a parte teórica.

Abraços!

Adriano

Adriano

Agora a prática. A ferramenta essencial é a prensa e as suas matrizes. Ela é usada para apoiar a caixa e o vidro sem danifica nenhum dos dois. É com a prensa que se desmonta e monta a maioria dos vidros que há.

Uma coisa é certa: nunca se retira ou coloca vidros sem que a caixa esteja desmontada, sem nada dentro. Exceto, obviamente, no caso de caixas monobloco.

Na verdade, para sacar o vidro, o processo pode mudar um pouco. Em vidros colados, normalmente o vidro é removido na mão após esquentar a cola para que ela se solte, e pode-se usar algum solvente para ajudar, como acetona ou alcool isopropílico. Desde que tudo seja feito com tudo removido de dentro da caixa. Safety first!

Para montar, basta aplicar a cola, encaixar o vidro, limpar os excessos e botar na luz UV por algumas horas.

Já os vidros montados com aro de retenção, são simples de desmontar também. Remove-se o aro desrosqueando ou com canivete apropriado no caso dos encaixados, e o vidro já estará solto. Embora, se a junta estiver velha e grudenta, pode ser mais difícil, tempo que empurrar o vidro de dentro para fora, com os dedos ou com prensa se necessário. A montagem se dá pelo processo inverso.

Já os vidros montados por interferência direta ou indireta, aí só na prensa. A prensa apoia a caixa e empurra o vidro de dentro para fora. Tudo usando-se a matriz correta nos dois lados e principalmente usando-se de muita calma. A não ser que a junta esteja muito nova e sem deformações, pode ser reaproveitada. A montagem se dá pelo processo inverso. Quando há junta, deve-se observar que há lado certo de montagem. O lado que recebe o vidro costuma sem chanfrado. A junta vai na caixa, e aí posiciona-se o vidro na prensa e é só descer o sarrafo. Se estiver lidando com relógios de mergulho, recomenda-se abaixar o vidro e repetir a operação uns 30 minutos depois, pois a pressão dessas juntas é enorme e o vidro pode voltar um pouco. Se o vidro é acrílico, basta posicionar na prensa e descer.

Em todo caso, todas as superfícies têm que estar limpas e as matrizes perfeitamente alinhadas e bem presas. Senão, vai quebrar o vidro no meio. E nunca meta força demais: pode amassar a caixa e não é difícil fazer isso. É questão de experiência para desenvolver o feeling. Sempre, sempre, faça tudo com calma.

Casos excepcionais: caixas monobloco. Nesse caso, não há como empurrar o vidro de dentro para fora. Todo relógio monobloco tem tige bipartida, que se remove puxando ela além da força normal. Aí, o vidro pode ser removido aplicando-se ar comprimido pelo tubo da coroa. Isso expulsará o vidro, seja acrílico ou duro, com junta. Agora, pode ser que alguns vidros acrílicos não saiam nem assim. Aí uma ou mais ferramentas especiais pegam o vidro por fora, comprimem o vidro por igual e ele se desencaixa. É o caso dos antigos Omega Dynamic e dos Mido Commander. Se não sair no ar comprimido, aí só com ferramenta especial. A montagem já é normal, sem segredos, com prensa.

Acho que é isso.

Abraços!

Adriano

igorschutz

Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
Opinião é como bunda: você dá a sua e eu meto o pau.

NÃO ACREDITE NO QUE 'FALAM' AQUI, ESTUDE BEM E TIRE SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES

Paulo Sergio

Caraca amigo Adriano... está inspirado!!! ;) ;) ;)
Vou dizer uma coisa... já pensei em compilar essas suas clássicas explicações, mas a preguiça não deixou!!!  :-\ :-\ :-\
Me arrependo... já teria um compêndio!!! :-\ :-\ :-\
Será que é tarde para começar?  ;) ;) ;)
Ah... obrigado!!! ;) ;) ;)
Abraço
Paulo Sergio
Abraço
Paulo Sergio

Alberto Ferreira

Realmente.
Respondeu, e disse!
Como sempre.  De cabo a rabo, e com clareza e didática.

Gratos por compartilhar os seus conhecimentos, Adriano!

Alberto

Adriano

Tentei resumir ao máximo e está cheio de erros. Escrevi do "tabret", para piorar. Amanhã dou uma revisada.

A regra mais básica ainda é: discutiu com o vizinho, brigou com a esposa? Não mexa com vidro de relógio. Eu particularmente não gosto de trocar vidros. Tenho medo, a não ser que seja uma molezinha. Vidros ou caixas delicadas, passo longe.

Abraços!

Adriano

Alberto Ferreira

Adriano,
Uma pergunta adicional.

Eu sei que nas oficinas dos representantes das grandes marcas o esquema profissional conta com as ferramentas que você bem descreveu.

Mas,...
Em que grau estas ferramentas aí abaixo, para acrílicos, (ainda) são usadas? Relojoeiros independentes ainda as usam?



Para quem não conhece, a da esquerda, aquela com as garras, comprime o acrílico e o remove (ou recoloca). A da direita "calibra" a altura para a pega com as garras na recolocação.

Eu, como amador, uso.

Alberto


Adriano

Usa-se sim, Alberto! A da direita é menos comum e de certo modo redundante. Mas a da esquerda usa-se para vidros, mas também para alguns tipos de lunetas.

Pois para os Omega Dynamic e os Mido Commander, existem ferramentas mais mais especializadas. No caso do Dynamic, só existem dois tamanhos, e logo, duas ferramentas. Ela tem a vantagem de se encaixar perfeitamente numa fenda que existe nos vidros. É 100% segura. Sua estrutura é bem semelhante à essa da garra e o princípio de funcionamento é o mesmo. A da Mido é um pouco diferente, tem a forma de um alicate, onde na ponte encaixa-se as matrizes, de diversos tamanhos. Também é fácil de usar e bem segura.

Abraços!

Adriano

Paulistano

Citação de: Adriano online 17 Janeiro 2013 às 08:54:16
Usa-se sim, Alberto! A da direita é menos comum e de certo modo redundante. Mas a da esquerda usa-se para vidros, mas também para alguns tipos de lunetas.
(...)
Adriano

prezado Mestre Adriano
PARABÉNS pela aula. espetacular e didática.
confesso que tive vontade de responder a pergunta do amigo, mas fiquei com muita preguiça de escrever tudo isso.
tenho, apenas, uma única observação:
as duas ferramentas mostradas pelo Mestre Alberto devem ser usadas em conjunto, e não separadamente.
explico: a ferramenta da direita serve para posicionar o vidro e dar a medida certa de colocação das garras da primeira ferramenta.
quando se usa as garras, esta não fica posicionada na borda do acrílico, faceando-o. ela deve ser posicionada um pouco antes da face da borda do acrílico, e essa pequena diferença que vai determinar é a segunda ferramenta.
as garras não podem ser colocadas na face do vidro, pois a chance de quebrar a borda com a força aplicada é enorme.
não sei se me fiz entender.

bem, esta é a minha humilde contribuição.

grande abraço a todos e mais uma vez PARABÉNS pela aula.

Adriano

#10
Sim sim, o Alberto na verdade explicou isso.


Citação de: Alberto Ferreira online 16 Janeiro 2013 às 23:50:17
...

Para quem não conhece, a da esquerda, aquela com as garras, comprime o acrílico e o remove (ou recoloca). A da direita "calibra" a altura para a pega com as garras na recolocação.

Eu, como amador, uso.

Alberto


A ferramenta da direita é usada não para remover, mas para recolocar o vidro, caso vá se usar essa mesma ferramenta para recolocar. Mas nunca vejo ela ser usada para recolocar o vidro (usa-se a prensa) por isso ela ser redundante. Em vidros com muita tensão, é muito difícil usar a garra e pode-se simplesmente nem conseguir usar ela. Ela danificará a borda do vidro e não conseguirá deformá-lo o suficiente para a montagem. Por exemplo, um vidro novo, original, de um Speedmaster Professional, não se consegue botar perfeitamente com essa ferramenta. Que dirá um de Seamaster 300 antigo... E ela naturalmente não funciona no tipo de encaixe dos Rolex antigos, onde o vidro é quem abraça a caixa e não o contrário.

Vou explicar melhor: o vidro naturalmente tem que descer contra a caixa. Se você pegar o vidro apoiado sobre uma mesa, usando a ferramenta da esquerda, não sobrará espaço para o vidro descer. A ferramenta da direita simula a borda da caixa e dá altura que deve sobrar para o vidro descer, quando for recolocado. Mais ou menos, pois tem vidro que desce mais, outros menos, e pode ser que a altura da ferramenta não seja suficiente para descer o vidro completamente.

Abraços!

Adriano

ThiagoDF

Parabéns Adriano, tanto pela didática, como pela boa vontade. ;)

Tenha um bom dia.
Membro do RedBarBrazil

Clélio

 Excelente aula...Tudo que eu queria saber e coisas que nem sabia que existia... ;)

Aproveitando: Tenho dois relógios de caixa monobloco um Seiko KS com vidro de mineral e um Omega Cosmic com acrilico... ambos apos a revisão ( com profissionais diferentes) tiveram o mesmo problema... o vidro caiu  durante o uso :P :P Que decepção  :'(... Por sorte não houve maiores danos, apenas o trauma...
Agora lendo a explicação fica a pergunta: Será que além da pressão seria aconselhável a aplicação de cola ??

Abs a todos

Alberto Ferreira

Voltando àquelas ferramentas...

Em relógios "simples", como a maioria dos vintages, eu faço mais ou menos como comentou o Paulistano.

- Eu coloco (encaixo) a ferramenta firmemente, centralizando-a sobre o acrílico e giro o volante (no sentido do aperto), isso comprime radialmente e "solta" o acrílico.
Como nas receitas da TV, se eu for reusar o mesmo acrílico, eu nem o tiro da ferramenta e...   Reservo.

- Para colocar um acrílico novo, eu uso a da direita para "gabaritar" a altura e pego o acrílico com as garras, girando o volante apenas o suficiente para tal "compressão" radial.

- Eu recoloco o acrílico na caixa, com o cuidado de centralizar bem, encaixo bem (por igual - aqui a importância de usar o gabarito), solto, girando de volta o volante.


Mas, como ressaltado pelo Adriano, este processo só "vale" para acrílicos montados diretamente na caixa (ou num aro), sem anéis ou retentores de qualquer tipo, neste caso contando apenas com a elasticidade do material, para "pressionar" radialmente e vedar.
Acrílicos muito velhos perdem a natural elasticidade.

Alberto

Adriano

Citação de: Clélio online 17 Janeiro 2013 às 10:17:03
Excelente aula...Tudo que eu queria saber e coisas que nem sabia que existia... ;)

Aproveitando: Tenho dois relógios de caixa monobloco um Seiko KS com vidro de mineral e um Omega Cosmic com acrilico... ambos apos a revisão ( com profissionais diferentes) tiveram o mesmo problema... o vidro caiu  durante o uso :P :P Que decepção  :'(... Por sorte não houve maiores danos, apenas o trauma...
Agora lendo a explicação fica a pergunta: Será que além da pressão seria aconselhável a aplicação de cola ??

Abs a todos

E aí Clélio!

Não. O certo é usar o vidro correto e o método correto. O KS não sei precisar qual o método usado. Os que vi até hoje, com vidro mineral, eram colados. Se caiu, é porque foi mal colado.

Já o Cosmic é o mesmo caso do Dynamic. Se caiu é porque foi usado o vidro incorreto. Não se usa cola. Em caixas monobloco é mais crítico ainda que se use o vidro correto. E quando digo correto, nem significa necessariamente o original. Pode ser aftermarket, mas tem que ter milimetricamente as mesmas dimensões e mesma estrutura do anel interno. E claro, tem que ser de qualidade, tipo um Sternkreuz. Se não for um exato de reposição ou o original, é adaptação, e aí, vale tudo.

Abraços!

Adriano

Adriano

Citação de: Alberto Ferreira online 17 Janeiro 2013 às 10:29:34
Voltando àquelas ferramentas...

Em relógios "simples", como a maioria dos vintages, eu faço mais ou menos como comentou o Paulistano.

- Eu coloco (encaixo) a ferramenta firmemente, centralizando-a sobre o acrílico e giro o volante (no sentido do aperto), isso comprime radialmente e "solta" o acrílico.
Como nas receitas da TV, se eu for reusar o mesmo acrílico, eu nem o tiro da ferramenta e...   Reservo.

- Para colocar um acrílico novo, eu uso a da direita para "gabaritar" a altura e pego o acrílico com as garras, girando o volante apenas o suficiente para tal "compressão" radial.

- Eu recoloco o acrílico na caixa, com o cuidado de centralizar bem, encaixo bem (por igual - aqui a importância de usar o gabarito), solto, girando de volta o volante.


Mas, como ressaltado pelo Adriano, este processo só "vale" para acrílicos montados diretamente na caixa (ou num aro), sem anéis ou retentores de qualquer tipo, neste caso contando apenas com a elasticidade do material, para "pressionar" radialmente e vedar.
Acrílicos muito velhos perdem a natural elasticidade.

Alberto


É isso aí.

Na verdade, dá para usar ela mesmo em vidros com aro tensionador dentro, desde que seja de relógios mais sociais, nos quais a tensão é pequena.

Abraços!

Adriano

DonPepe

Caraca! Que aula!  :) obrigado por compartilhar.

Arriba!

Pandolfi

Citação de: Paulo Sergio online 16 Janeiro 2013 às 22:59:03
Caraca amigo Adriano... está inspirado!!! ;) ;) ;)
Vou dizer uma coisa... já pensei em compilar essas suas clássicas explicações, mas a preguiça não deixou!!!  :-\ :-\ :-\
Me arrependo... já teria um compêndio!!! :-\ :-\ :-\
Será que é tarde para começar?  ;) ;) ;)
Ah... obrigado!!! ;) ;) ;)
Abraço
Paulo Sergio

Amigo Paulo, veja o site do Adriano:
www.tempusrerumimperator.net

Grande abraço.
Pandolfi

Paulo Sergio

                                        :D
Obrigado meu Irmão!!! :D        :D
Abraço
Paulo Sergio
Abraço
Paulo Sergio

msch

No caso de cristais, em alguns casos tem que lixar as bordas do mesmo pra se obter, por exemplo, um formato chanfrado. Nestes casos, o que deve ser utilizado para o desgaste? Pode ser lixa?

Na fornitura aqui de Campinas que troca meus vidros, eles sempre usam cola. Isso é certo?