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Fabricação de Movimentos: Usinagem X Estampagem

Iniciado por João de Deus, 15 Março 2013 às 10:29:42

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João de Deus

Estes dias lendo a Revista Pulso, me deparei com um leitor que questionava sobre o movimento Valjox 7750.
Na resposta a revista explicava que o Valjoux é confeccionado através do processo de Estampagem, para diminir os custos de fabricação, enquanto movimentos mais bem elaborados são feitos por Usinagem. Tenho algumas dúvidas:

1-) Quais as diferenças entre os processos?
2-) Um Valjoux elaborado pela Omega ou IWC também é feito por estampagem?
3-) E os calibres Rolex, Breitling B01, Frederic Piguet são feitos por estampagem ou usinagem?

Grato

João
João

igorschutz

Estampagem, assim, em linhas gerais, é quando você molda um peça por meio da prensagem da folha ou bloco do material. Por exemplo, você pega uma folha de latão e a pressiona numa prensa hidráulica que possui um molde, e a peça sai pronta, igual aqueles brinquedos de massinha que você faz uma conchinha, um hambúrguer, etc.

Usinagem é quando você "esculpe" a peça a partir de um bloco de material, utilizando fresas, brocas, lâminas, etc.

A estampagem é um processo mais rústico, barato e rápido, geralmente utilizado para componentes de baixa complexidade, pois não permite muita "tridimensionalidade". Já a usinagem permite formas mais complexas, e resulta em componentes mais bem acabados e elaborados.

O que determina qual processo será utilizado é a complexidade do desenho daquela peça e o volume de peças a serem fabricadas. Você só faz estampagem de peças que serão fabricadas aos montes, pois é um processo de produção em massa. Se sua produção for muito pequena, é mais adequado a usinagem.

Caixas, por exemplo, em grande parte são estampadas, até que haja um ou outro procedimento que precisa de usinagem. Você não usina uma caixa desde o começo, pois seria um gasto de recursos desnecessário, a não ser, repito, que sua produção seja mesmo muito pequena (aquelas fabriquetas que fazem 100 relógios ao ano usinam até mesmo toda a caixa).

Sobre o 7750, o movimento é o movimento, isto é, se é estampado pra um, é estampado pra todo mundo.

Pode até ser que a Omega ou a IWC troque um ou outro componente estampado por um componente usinado de melhor qualidade, mas, no todo, o processo de manufatura é o mesmo, questão lógica de fabricação.

No mais, não se pode separar os movimentos em duas categorias, "estampado" e "usinado", pois cada componente é fabricado pelo processo mais adequado ao volume de produção, ao preço da peça e à qualidade que se deseja alcançar.
Num movimento Rolex... aliás, até mesmo num movimento Patek, há componentes usinados e há componentes estampados. Não existe isso de usar usinagem em tudo, assim como não existe usar estampagem em tudo. Mesmo no 7750 mais furreca há peças usinadas (pivôs, roda castelo da tirete, etc.).
Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
Opinião é como bunda: você dá a sua e eu meto o pau.

NÃO ACREDITE NO QUE 'FALAM' AQUI, ESTUDE BEM E TIRE SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES

flávio

#2
Na relojoaria, quando uma peça é estampada, uma folha de metal passa por uma prensa e, então, esta a comprime com altíssima pressão. Na prensa existe uma matriz feita em material duro que "imprime" por compressão o formato que se quer no metal. Imagine um carimbo gigante, só que ao invés de marcar com tinta o papel, está deformando uma folha de metal a altíssima pressão e imprimindo o formato do que se quer.

Na usinagem não. O bloco de metal é fresado, furado, cortado, etc, em diversas operações. Imagine o mesmo exemplo do carimbo, mas agora você teria que desenhar no papel, com caneta, o que se quer.

Na estampagem, você comprime metal que adquire a forma que se quer. Por compressão e extrusão a peça será formada.
Na usinagem, você tem que pegar um bloco sólido e escavar, furar, raspar a peça (com tornos, fresadoras, etc), até este adquirir o formato que se quer.

É fácil observar que a estampagem é muito mais rápida, eficaz e de custo bem mais baixo para produção em massa.
Porém, nem todas as peças podem ser feitas por estampagem, sobretudo aquelas que tem vários perfis (a não ser em várias operações). Peças muito complexas, com diferenças de níveis (alturas) são difíceis de estampar.

Um projeto, portanto, parte do pressuposto que se usará um ou outro método. Sim, às vezes é possível passar a fazer uma peça que era usinada pelo processo de estampagem, mas nem sempre.

A bem da verdade, o processo de estampagem é até mais preciso, gera pouco resíduo etc. A peça já sai pronta, enquanto na usinagem, muitas vezes precisa de acabamento posterior.

Ué Flávio, então por que não se estampa tudo? Como disse, peças com muitas diferenças de perfis são difíceis de estampar. Além disso, para estampar, a prensa tem que ser específica para aquele componente, o que gera um custo inicial de produção altíssimo! Hoje, porém, se o cara tiver uma fresadora com vários programas CNC, constrói o relógio inteiro. Basta mudar o programa, a fresadora faz o resto.

O processo de estampagem, pois, é algo claramente feito em escala industrial altíssima, produção em série, para quem tem bala na agulha para instalar as prensas hidráulicas. A usinagem não. Ei, não estou dizendo que usinar seja barato! Uma fresadora CNC para relojoaria custa cerca de 500 mil dólares. Imagine, porém, quanto custa uma prensa de estampagem da Rolex para produzir um milhão de platinas ao ano? Nem imagino, mas custa muito mais... Só grandes empresas trabalham com estamparia. Na verdade, a grande revolução da relojoaria moderna e essa proliferação de zilhões de marcas produzindo coisas antigamente impossíveis é a fresadora CNC.

De todas as marcas que citou, tenho certeza que a platina principal e principais peças são feitas por prensagem. A Piguet tenho dúvidas... Digo isso porque visitei a fábrica da Glashutte Original, que fazia na época 9 mil relógios por ano, e tudo era usinado. Não porque usinar seja melhor ou pior, mas porque não faria sentido eles investirem pesado em prensas para fazer 9 mil relógios. E, ademais, a usinagem permite projetos mais "livres", como ressaltei acima. A prensagem não, tem que ser pensada no projeto do movimento, como, por exemplo, o Valjoux, que foi projetado para ser feito em prensas, porque já queriam fazê-lo aos zilhões.

Flávio


PS Quando fui publicar, vi que já tinham respondido. Não revisei meu texto, vejamos se bate com o que o Igor disse também! :D

Adriano

A resposta na revista foi minha. O Igor já disse praticamente tudo. Não dá para separar em categorias. Não é isso.

O que ocorre é que todo o 7750 é feito para ser barato. O próprio sistema de pinhão oscilante é um sistema cujo objetivo prinicipal é ser mais barato de se produzir. Soma-se à isso que o came e praticamente todas as alavancas do 7750 são conformadas exclusivamente por estampa em qualquer versão do 7750, do standard aos modificados pelos fabricantes. Até porque seria burrice usar um método mais caro para fazer uma peça se ela já é feita por um método mais barato.

Então, o 7750 possui muitos elementos barateadores e a abundância de peças estampadas, principalmente peças fundamentais, é uma delas, quando praticamente todos os seus "concorrentes" usam bem menos peças estampadas. Pois todo mundo usa, e há peças que só podem ser feitas por estampa. Mas um Frederic Piguet, um Lemania como os Omega 861, um Rolex 4130, um Breitling B01, tem bem menos peças estampadas, muito menos.

Agora, a pergunta de ouro, que sei que vai ser feita mais cedo ou mais tarde: peça estampada é pior que a usinada? Depende da função que ela exerce. Mas no caso do came e alavancas do 7750, sim, elas funcionam tanto quando as mesmas peças usinadas, mas com desempenho inferior, maior aspereza, menor precisão. O came do 7750 é grande porque não se consegue produzir com precisão razoável um came pequeno como o de um Omega 861. Então, para fazê-lo estampado com um mínimo de precisão, ele tem que ser grande. Em contrapartida seu acionamento é mais duro e àspero, requer mais curso em todas as operações. O came de um 861, pequeno e precisamente usinado, é anos luz melhor.

Com cames, alavancas e molas usinadas você obtem bem mais controle nos esforços necessários para cada comando e também superfícies com engajamento bem melhor. O funcionamento é bem mais preciso e mais confortável.

Abraços!

Adriano

João de Deus

Igor, Flavio.
Muito obrigado pela resposta detalhada.
Para mim ficou claro que ambos processos não interferem na qualidade final do produto, no caso o movimento do relógio... Eu pensava diferente, acreditava que a estampagem denegria o movimento final.
Cada fábrica utiliza o melhor processo, que é escolhido de acordo com o volume de produção desejado.
Neste fórum reunimos informações e conhecimentos preciosos, desde a fabricação do movimento, passando pela montagem e testes finais.
Acho que podemos escrever um livro sobre alguns tópicos técnicos postados aqui.
Em forma Digital já existe!!!
Abs
Mais uma vez obrigado.

João
João

João de Deus

Adriano.
Obrigado pela participação.
Sim, a resposta na revista pulso a que me referia foi dado por você a um leitor.
Aliás, sempre leio seus artigos na Revista Pulso.
Abs

João
João

rpaoliello

João;

Já discutimos outrora um assunto bastante próximo.

Vale a pena conferir
http://forum.relogiosmecanicos.com.br/index.php?topic=6894.25;wap2

Um abraço.

Renato.

rpaoliello

Caros;

Revendo os alfarrábios encontrei o livro do Prof. Roger Méroz da Escola Técnica Vallée de Joux, Le Sentier.

Recomendado pela Comissão Suiça de Material Didático da Suiça, chamado "As estampas", o qual trago um breve trecho de sua introdução:

"Considerações Gerais"
(...)
Por que a estampa é um meio racional de fabricação? Porque não há eliminação de aparas. A peça é extraída diretamente da de material, o que nunca acontece com as técnicas mecânicas habituais de fresagem, aplainagem, entalhamento, limagem, etc. São aparas que custam caro em uma usina e, paradoxalmente, sao as menores que custam mais caro (afiamento, limagem e polimento). Uma ferramenta de corte chamada ESTAMPA custa um preço bastante elevado, mas pela sua rentabilidade, será muito depressa amortizada."

"Que espécies de peças podem fazer com a estampa? Quase todas e cada vez mais! Claro que, postas de parte peças circulares que se cortam sobre máquinas automáticas e as peças de fundição. Seria cansativo fazer uma enumeração das peças executadas com estampa. Desde a menor peça de relógio, a mola de amortecimento, que é impossível fazer de outra maneira, as pontes do movimento, as peças do mecanismo, o pêndulo, a placa até a montagem do mostrador, os ponteiros, o vidro, a coroa e mesmo a pulseira e o anel de fechamento são cortados, dobrados, etc."

E somente uma correção a prensa é a máquina, a estampagem é o processo; a matriz se encontra sobre a mesa da máquina e o punção é fixado ao cursor que é a parte móvel da prensa.

Existem também prensas de grande precisão com colunas em que o punção é fixo e a matriz quem sobe.

Um abraço.

Renato


Dorotheo

Mais uma aula de 7750.
E quanto mais aprendo mais gosto desse movimento.
Acho eu (opinião leiga) que o 7750 foi um dos responsáveis, por hoje, eu conseguir adquirir relógios suíços como Omega, Longines, etc, já que a produção seriada reduz os custos de produção e consequentemente o produto final, o que de certa forma aumentou a concorrência e a popularidade, sem contudo perder toda a qualidade, mas sim diminuindo-a a níveis de excelência aceitáveis.
Grande abraço
Todo ser humano é culpado do bem que não fez. Voltaire

João de Deus

Citação de: Dorotheo online 15 Março 2013 às 12:23:50
Mais uma aula de 7750.
E quanto mais aprendo mais gosto desse movimento.
Acho eu (opinião leiga) que o 7750 foi um dos responsáveis, por hoje, eu conseguir adquirir relógios suíços como Omega, Longines, etc, já que a produção seriada reduz os custos de produção e consequentemente o produto final, o que de certa forma aumentou a concorrência e a popularidade, sem contudo perder toda a qualidade, mas sim diminuindo-a a níveis de excelência aceitáveis.
Grande abraço

Dorotheo,

Também fiquei contente com as informações das nossas enciclopédias ambulantes em relógio.
Os caras sabem muito!!!
Eu tenho um Omega Speed Rattrapante calibre 3600 (que utiliza como base o Valjoux 7750) e depois deste post aprecio ele mais ainda.
Abs
João
João

Alberto Ferreira

Citação de: João de Deus online 15 Março 2013 às 11:30:54
...
Para mim ficou claro que ambos processos não interferem na qualidade final do produto, no caso o movimento do relógio... Eu pensava diferente, acreditava que a estampagem denegria o movimento final.
...



João,...
Sem querer colocar (muito) pelo em ovo...  :D
Mas eu gostaria de comentar esta sua frase aí acima...

Concordando com o que foi dito pelos colegas, descrevendo os processos, etc, eu gostaria de fazer um pequeno comentário.

A depender de como a "estampagem" seja feita, por exemplo, alta produção - em massa, ferramentas (as matrizes) eventualmente já gastas, etc, uma peça estampada pode, sim, sofrer alguma degradação na produção.

Tentando colocar o ponto de forma mais ou menos simples, o corte (nas bordas), com aquelas ferramentas (já deterioradas), pode (eu disse pode) repuxar o material (encruando-o) naquela área. O que  poderia ser razoavelmente relevante, principalmente, por exemplo, no caso de algumas molas e alavancas.
Mas isso seria a exceção, e não a regra.

Outro ponto...
Uma outra técnica que pode ser usada em algumas peças, quando elas por uma série de razões, não são usinadas, é a erosão. Seja ela química, eletro-erosão, por jatos de água, etc.

Alberto

flavio

Aliás, para peças que exigem muita precisão a eletro erosão é o caminho. Na glashutte original vi reguladores pescoço de cisne sendo feitos assim. Saiam muito bons da máquina!

rpaoliello

Flávio; sem querer contestá-lo, mas tem certeza que era eletroerosão. Digo isto porque um processo deste dura centenas de horas e custa muito caro. 

E não vejo justificativa para usar este processo. Talvez tenha visto um banho eletrolítico não seria?

Um abraço

Renato

flavio

Não. Acompanhei desde o princípio. Através de um furo na chapa se passa um fio de tungstênio ligado em dois polos e o troço corta como manteiga o formato das peças. E são várias feitas de uma vez, pois o fio caminha por toda superfície da tira metálica, em virtude de programação cnc. Flávio


rpaoliello

Realmente impressionante fazer por eletroerosão a fio ainda mais com fio de tungstênio (o normal é com fio de latão)!!! Duvidei pela demora do processo se bem que a chapa é fininha. 

Taí um negócio que gostei.

Obrigado Flávio.

flavio

Realmente não era lento, mas bem rápido. O acabamento deve ser demorado, mas não vi. Vi polimento de parafusos, mas são feitos em grupo, uns 30 ou 40 parafusados numa placa. Tudo manual e feito por uma mulher. Flávio

flávio

Olhem aí, na nova fábrica da Chopard, que produz apenas 15 mil movimentos ano, tudo usinado com o auxílio de CNC:

http://chopard.watchprosite.com/show-forumpost/fi-5/pi-5783093/ti-851913/s-0/

Saiu hoje no The Purists


Flávio

João de Deus

#18
Oi Flávio.
Obrigado por compartilhar.
Tudo por maquinas... componente humano quase nada.
João
João

flávio

João, na verdade, o polimento e acabamento das peças certamente tem que ser feito manualmente, até mesmo porque as peças - as fotos mostram isso - não saem uma "Brastemp" assim das máquinas. E volto a repetir gente: o problema é o excesso de propaganda das marcas exaltando essa história de "handmade" não sei onde, porque a tônica da indústria suíça, como ressaltei naquele enorme texto quando fui lá, já não é a produção descentralizada em sistema de "etablissage" há mais de 100 anos (sim, ainda existe muita descentralização, mas aquele relojoeiro fazendeiro que fazia peças manualmente para vender a um empreendedor que iria juntar tudo não existe há muitas décadas).

Flávio