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A digestão do tempo

Iniciado por solano, 30 Janeiro 2011 às 07:57:35

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solano

A digestão do tempo


Aprendi a comer, desde menino. Mamãe dizia "não coma depressa menino!", eu obedecia. Aprendi a mastigar, a sentar na mesa, do pecado da comida largada de lado ao fim da refeição, da boa educação. Comer coisas materiais é fácil, e o tempo? Sempre me questionei do sentido do tempo, suas garras perigosas, seus segundos voláteis, seu charme amoroso. Sempre quis pegá-lo, colocar um pouquinho no bolso, uma reserva estratégia para prolongar delícias e sabores. Meu maior desejo sempre foi de digerir o tempo, poder colocar no prato aquela fatia suculenta (mal passada de preferência), acompanhada de uma linda batata-do-amor e um molho de felicidade pura! Um vinho do desejo adolescente serve bem, acompanha, completa. Esse é o meu bife de chouriço, um tango maluco da minha cabeça ansiosa, um sonho: Comer o tempo! Sim, poder tê-lo meu, dentro de mim, digerir essa criatura impalpável e misteriosa, antes que ele me devore por completo! Uma vingança adorável, com sabor portenho, com toda a magia dos poetas cegos, dos bêbados das cidades grandes.
Será um loucura? Querer comer o tempo? Sem antes entendê-lo? Mas como? Sou um ansioso nato, não posso, por maledicência genética perceber e acompanhar o tempo, sou ansioso! A ansiedade é a cegueira, não dá para ver o tempo, um cego não vê e o ansioso não tem o tempo. O tempo passa como uma brisa de verão, vem pelas costas, agradável e se vai rápida sem destino ficando o meu calor interno, sufocado, procurando alívio. Como não administro o vento também não detenho o tempo e não sei usá-lo, ele para mim é sopro. Os desejos são terrivelmente aliados ao senhor tempo, quero realizá-los, mas como? Faço o trabalho teórico de imaginar o desejo, projetar suas cores, como um filme em preto e branco, mudo, sou um Carlitos, um eterno artista do desejo futuro, tentando aproveitar o que nunca aproveitarei: O ansioso não vê e nunca vai digerir o tempo. Fico então com essa arma secreta de sonhador, caçador de emoções, fazendo o tempo meu escravo, neste filme antigo "Em busca da felicidade". Ás vezes me abraço com a medicina moderna e PIMBA! Tomo um frontal! Não conheço a fórmula, nem o gênio que a criou, mas é o Oasis no deserto da aflição, que maravilha! Tudo para, o suor, a angústia, o tempo espera por mim, e pouco a pouco o meu filme preto e branco vai ganhando cores, música, encantamento, quase um desenho da Disney: A pequena sereia. Agora estou, meio Rei-leão, dentro do meu filme colorido, com os personagens felizes, sentado á mesa, dentadura nova e brilhante, pronto para comer o meu tempo. Saúde! Vamos brindar à medicina!
" Otempo é a insônia da eternidade "  Poeta Mário Quintana