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História + Relógios = John Harrison

Iniciado por igorschutz, 26 Janeiro 2009 às 14:32:58

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igorschutz

Olá amigos!

Alguém aí gosta de História? Eu adoro!
Como bom curioso "patológico", este é um dos meus assuntos favoritos, pois, como costumo dizer, a História explica o presente.
Sou fissurado em História Antiga, História Militar, História de Monumentos/ Construções/ Empresas/ Objetos... mas o melhor mesmo é quando posso unir duas das minhas maiores paixões: História e relógios!

Na linha do tempo da relojoaria, um dos pontos de destaque vai do ano de 1713 até 1765, e concentra-se na figura de um camarada inglês chamado John Harrison.

Bom, acredito que muitos de vocês devem ter lido algo sobre ele, ou ao menos já ouviram este nome, seja num dos excelentes artigos do nosso Grão-Mestre Flávio, ou aqui mesmo no nosso Fórum.
Eu também conheci o John Harrison aqui, e a isto devo agradecer ao Flávio, por ter me apontado este que é um dos mais fascinantes personagens da comunidade relojoeira, se não da comunidade científica!
   
Explicando rapidamente para os que não o conhecem:
John Harrison foi um inglês nascido e criado num pequeno e isolado vilarejo rural no ano de 1693. Seu pai era carpinteiro e, portanto, Harrison seguiu o ofício.
Não se sabe como, John Harrison começou a reparar e construir relógios. Isso em pleno início do século XVIII, quando estes instrumentos eram raros e coisa de gente rica. Portanto não se via relógios por aí, e certamente Harrison não teve fácil acesso a modelos nos quais se inspirar.

O interessante é que, exatamente por não ter acesso à tecnologia relojoeira da época, os relógios de John Harrison eram bem diferentes de tudo o que fora produzido até então. E o detalhe: todos muito, MUITO precisos, mais precisos do que os melhores relógios de mestres como Julien Le Roy, Thomas Tompion e George Graham.

É uma coisa fantástica de se imaginar como um humilde carpinteiro da roça assimilou de maneira tão completa os princípios da ciência relojoeira – que contém um pouco de física, um pouco de química, um pouco de matemática, e por aí vai – a ponto de saber exatamente em que pontos estavam as deficiências dos relógios da época e como combatê-las!
O cara ou era um ET, ou um viajante do tempo, ou, mais provável, um gênio nato: ele inventou simplesmente do nada engrenagens que não precisavam de óleo (manja rolamento? Então, John Harrison inventou); um jeito de se dar corda sem parar o mecanismo (o "stop work", embutido até hoje em qualquer relógio); mecanismos de compensação de temperatura (vejam, no plural!); e um escapamento muito especial (Grasshopper), que quando posto para funcionar pode ficar séculos sem manutenção.

Mas o que marcou John Harrison e que fez com que a História carregasse esse nome até os dias de hoje foi seu envolvimento com a descoberta de um método para se descobrir a longitude.
Naquela época, Era das Grandes Navegações, os marinheiro navegavam às escuras, sem saber exatamente em que ponto do oceano eles se localizavam. Obviamente ocorreram muitos acidentes e muita gente e cargas preciosas foram perdidas.
Na tentativa de pôr um fim a estes desastres tão comuns, o governo inglês ofereceu uma quantia [hoje] milionária para quem inventasse um método preciso para se determinar a longitude dos navios em movimento (a latitude já era facilmente encontrada).

Dentre todos os métodos imagináveis, dois se destacavam entre os cientistas teóricos como sendo os caminhos a se percorrer: a observação dos astros, que exigiria potentes telescópios, muita coordenação (tente olhar num telescópio em um navio balançando!), compilação de tabelas e MUITO cálculo (umas quatro horinhas, com o método já bem desenvolvido); ou um relógio bem preciso, que marcasse com exatidão o horário do porto de saída (do qual a longitude já era conhecida), para comparação com o horário local do navio.
Para estes teóricos, o primeiro método era complicado e trabalhoso, mas era o único que oferecia alguma esperança, já que um relógio que se mantivesse preciso no rigor de uma viagem de navio era praticamente impossível (Sir Isaac Newton disso isso!).

O problema é que estes teóricos não contavam com John Harrison!

Este camarada – repito, um mero carpinteiro da roça – fez o que parecia impossível: desenvolveu o tal relógio super preciso.
Sinceramente, gostaria de detalhar aqui o quão difícil foi fazer um relógio que se mantivesse preciso durante uma viagem de navio, mas não o farei, pois para isso precisaria (re)escrever um livro, mas posso dizer que este relógio, para obter tal precisão (-5 segundos em seis semanas!), precisou vencer o balanço do navio, precisou vencer a extrema umidade e a enorme variação de temperatura a que foi submetido, e ainda precisou ser portátil. Tudo isso numa época em que mesmo os reguladores de pêndulo variavam minutos por dia!

O feito parecia tão fantástico, mas TÃO fantástico, que John Harrison, ao invés de ter sido aclamado como um grande gênio logo de cara, foi visto com desconfiança, penou horrores para conseguir que lhe pagassem o prêmio prometido. Seu relógio teve de ser submetido a repetidos e exaustivos testes, a fim de provar que a assustadora precisão não se tratava de sorte ou trapaça.

No fim das contas, seu famoso relógio, o H4, não se mostrou muito influente a ponto de servir como modelo para os futuros cronômetros marítimos, pois era por demais complicado, mas John Harrison foi fundamental para provar para as futuras gerações que era sim possível a fabricação de relógios super precisos, e que este era o método definitivo para se encontrar a longitude. Ele foi a espoleta que deu o disparo para a corrida pela precisão.

Para os colegas que conseguiram chegar até aqui, deve ser fácil entender o quão fascinante é este capítulo para a História da relojoaria. E para os que desejarem se aprofundar ainda mais sobre Harrison e seus relógios, sugiro uma leitura: escaneei a transcrição de um discurso proferido em 1935 por Rupert T. Gould – uma das maiores autoridades em Harrison e seus relógios – que aborda este assunto de uma maneira fácil e gostosa de ler, e ao mesmo tempo bem detalhada, de um jeito que eu jamais conseguiria igualar.

O link é este aqui: John Harrison and his timekeepers, por Rupert T. Gould (no Firefox, clique com o botão da direita e em "Salvar link como..."). Arquivo longo, com 6,5 MB, escaneado em qualidade de impressão e fotos dos relógios de Harrison.

Espero que gostem, e espero ter convencido ao menos um colega a se aprofundar neste assunto (pelo visto, acho que só o Flávio e eu gostamos dessas coisas aqui no Brasil).
Se quiserem maiores informações ou dicas, possuo em minha biblioteca diversos livros que tratam sobre John Harrison, e posso dar maiores recomendações.

Um abraço a todos, e desculpem a looooonga mensagem!

Igor
Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
Opinião é como bunda: você dá a sua e eu meto o pau.

NÃO ACREDITE NO QUE 'FALAM' AQUI, ESTUDE BEM E TIRE SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES

Miguel


Igor,

Recentemente, a editora Companhia das Letras reeditou o livro "Longitude", de Dava Sobel. Custa R$ 17 e eu já comprei mais de 20 para dar de presente a alguns amigos e colegas.

Recomendo muito sua leitura!
Abraços,
Miguel
"...all that we need is wine and good company!®"



zE_


Oi Igor!

Eu, como novato que sou no forum, não conhecia suas postagens.

Só a fama delas!

E, agora, estou começando a entender o porquê de tal fama!!!!

Sensacional sua história! Estou baixando o texto sugerido mas, só o seu texto já valeu essa paradinha no meio da tarde para ver o que acontecia por aqui.

Grande abraço!
Marcos  Sá

"prefiro a crítica que me corrige ao elogio que me corrompe" -Maquiavel

jeans

Igor,

O texto dá sim uma vontade de se aprofundar no assunto, no primeiro momento eu relutei quanto à compra do livro longitude, mas agora depois de ler o seu texto eu vou atrás de um para mim.

Valeu!

[]'s Jean.
"...mas uma coisa eu faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus." FP 3:13

Citação de: jeans online 26 Janeiro 2009 às 15:38:28
Igor,

O texto dá sim uma vontade de se aprofundar no assunto, no primeiro momento eu relutei quanto à compra do livro longitude, mas agora depois de ler o seu texto eu vou atrás de um para mim.

Valeu!

[]'s Jean.



Oi Jean!

Tb fui atras de um. Achei na Livraria Cultura, no link abaixo.

E, eles enviam!

Abraço!



http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=2509942&sid=01529313211126566527674053&k5=838AB05&uid=
Marcos  Sá

"prefiro a crítica que me corrige ao elogio que me corrompe" -Maquiavel

jeans

Citação de: Sá online 26 Janeiro 2009 às 15:48:06
Citação de: jeans online 26 Janeiro 2009 às 15:38:28
Igor,

O texto dá sim uma vontade de se aprofundar no assunto, no primeiro momento eu relutei quanto à compra do livro longitude, mas agora depois de ler o seu texto eu vou atrás de um para mim.

Valeu!

[]'s Jean.



Oi Jean!

Tb fui atras de um. Achei na Livraria Cultura, no link abaixo.

E, eles enviam!

Abraço!



http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=2509942&sid=01529313211126566527674053&k5=838AB05&uid=

Sá,

Obrigado pelo link, vou adquirir um para mim.

[]'s
"...mas uma coisa eu faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus." FP 3:13

HumbertoReis

Grande Igor!

Os caras vão imaginar o que aconteceu pra sairem tantos livros em tão curto espaço de tempo.

Sem dúvida a resenha foi matadora e convenceu a muitos, incluindo a mim.

Malima

Igor ... isso não foi uma longa mensagem ... foi uma AULA !! ;D :D ;)

Depois do seu post, estou certo que tenho que ler e entender um pouco mais sobre o assunto ! ;)

Abraços


Marcos Lima


Alberto Ferreira

Salve, amigos!

Como muitíssimo bem colocado pelo amigo Igor, os interesses pessoais variam.

E, logicamente, nem todos aqui têm tanto interesse pelo lado histórico, etc.

Mas, para quem realmente se diz um "amante" desses maravilhosos "mecanismos".
A palavra é "fria", posto que muitos lhes atribuem uma "alma",...

E para que se entenda, minimamente, a sua importância em todos os ramos do conhecimento, só mesmo dedicando algum tempo ao conhecimento histórico.
O assunto é fascinante.

O nosso amigo Flávio não se cansa de nos dizer que cada vez mais o seu interesse esta indo para essa área.



Ao Igor, os agradecimentos, por regar a sementinha!

Com um elegante regador de prata, como costuma sempre fazer!
;)

Abraços a todos!
8)

ESTRELADEDAVI

Adorei o tópico, fantástico.

Parabéns Igor.

Abraços

Weber
"A felicidade de sua vida depende do caráter dos seus pensamentos." (Marco Aurélio)

Wadley

Igor,

Coincidentemente, estou terminando de reler o Longitude....

O cara era, de fato, um gênio.....

Wadley
Wadley

flávio

O Igor me passou este texto quando estava em BH (aliás Igor, imprimi e li no mesmo dia e esqueci de te falar kkk. Doideira de férias). Enfim, este texto que o Igor passou não foi escrito por Dava Sobel, etc, mas pelo próprio Rupert Gould, é a palestra que ele deu na sociedade hidrográfica sobre o cabra. LEITURA OBRIGATÓRIA, muito embora não exista muita novidade para quem já leu a obra de Dava Sobel e, também, a biografia do Rupert Gould. Mas o fim do texto é bacana e, na verdade, aparece no filme Longitude: HÁ CARAS QUE FAZEM UM BEM TÃO GRANDE PARA A HUMANIDADE, QUE LÁ PELAS TANTAS ELA ENTRA EM DÉBITO COM O CARA. Algo assim...Tem que ler.


Flávio

Correia

Belíssimo post, deveras enriquecedor :)

Só um pequeno reparo(se não for assim, que me desculpe amigo Igor), mas no Séc. XVII já há muito tempo os navegadores portugueses, espanhóis e ingleses usavam os astrolábios, quadrantes, bússulos e balestilhas para a navegação.

Claro que mesmo com todos os instrumentos da época, os acidentes ocorriam(fosse por tempestades, mau cálculo, defeito e limitações próprias daquelas embarcações),  pelo que a bordo de um navio da época, as dúvidas seriam muitas, e as certezas muito poucas.

Quem já esteve no interior de uma Caravela sabe que era pura loucura sair numa pelos  oceanos desconhecidos, loucura mesmo!

Sem dúvida que era uma mente brilhante, e é impressionante o que conseguiu desenvolver.

Um abraço,
Correia
Convém evitar 3 acidentes geométricos nesta vida : círculos viciosos, triângulos amorosos e bestas quadradas.

igorschutz

Amigos,

Agradeço a todos pelos elogios, fico feliz de que tenham gostado.
John Harrison de fato é um herói pra mim, e sinto muito orgulho de poder divulgar sua história entre os amigos.
Por mim, esta história deveria servir como um exemplo universal de perseverança, superação e genialidade; uma pena que tão pouca gente a conheça.

O livro Longitude, da Dava Sobel, é um excelente início para quem quer conhecer Harrison e entender um pouco mais de relógios num geral. Vale a pena!
Para aqueles que, como eu, mesmo após a leitura do livro não ficarem satisfeitos e quiserem mais, recomendo dois livros:
   - Se você gostou mesmo do John Harrison e quer saber ainda mais de sua biografia, compre o livro "John Harrison, the Man Who Found Longitude" do Humphrey Quill, que é a obra mais completa sobre o homem. É um pouco difícil de achá-la, pois é um livro dos anos 60 com pouca tiragem, mas vale a pena; é um dos melhores livros que já li (o autor escreve maravilhosamente bem, li as quase 300 páginas em apenas um dia!);
   - Se você gostou de ler sobre a história da relojoaria, procure o "Revolution in Time" do David S. Landes, que, na minha opinião, é o melhor livro já escrito sobre relógios. É um livro que fala sobre o surgimento dos primeiro relógios, desde a clepsidra dos chineses, até a Revolução do Quartzo, e tudo isso de uma maneira detalhada e muito gostosa. Enquanto estava lendo este livro, eu deixava de almoçar pra sobrar mais tempo pra leitura!

Citação de: Correia online 26 Janeiro 2009 às 20:11:47
Só um pequeno reparo(se não for assim, que me desculpe amigo Igor), mas no Séc. XVII já há muito tempo os navegadores portugueses, espanhóis e ingleses usavam os astrolábios, quadrantes, bússulos e balestilhas para a navegação.

Meu amigo d'além mar, você está absolutamente correto. Realmente todas estas nações utilizavam estes instrumentos, no entanto, eles serviam para que o marinheiro localizasse apenas sua posição latitudinal.
Nesta época, a longitude do navio era obtida por estimativa, baseando-se na velocidade de navegação, correntes marítimas, e o que mais pudesse servir para se basear seu palpite. Ou seja, algo extremamente rústico e impreciso. Tanto que os acidentes eram muito comuns!
Dê uma conferida no arquivo que linkei. Lá, Gould detalha a maneira que os marinheiros das antigas faziam para se localizar.

Um abraço a todos,

Igor
Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
Opinião é como bunda: você dá a sua e eu meto o pau.

NÃO ACREDITE NO QUE 'FALAM' AQUI, ESTUDE BEM E TIRE SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES

Robson

Excelente texto, Igor!

O livro é uma boa sugestão para leitura das férias.

Um abra...
"Aprenda a suportar o desconforto e a fadiga sem queixar-se e seja moderado em suas necessidades."

Correia

Sem dúvida Igor, apenas ressalvei esse ponto para aferir dessa dificuldade que seria partir sem saber a que distância estava o próximo local com "chão firme", mesmo com esses "rudimentares" orientadores(na época era quase quase GPS.... ;D).

Até porque a longitude seria o ponto onde se sentiriam mais à vontade, pois estava sempre presente : era tudo longe...... ;D ;)

Um grande abraço meu amigo :)

Correia
Convém evitar 3 acidentes geométricos nesta vida : círculos viciosos, triângulos amorosos e bestas quadradas.

JuniorRJ

 Empolgante. Parabéns pela generosidade em escrever essas linhas... com certeza mais do que apenas um irão se estimular a buscar mais sobre o assunto. Abraço.

Alberto Ferreira

#19
Citação de: Correia online 26 Janeiro 2009 às 23:32:41
...
...para aferir dessa dificuldade que seria partir sem saber a que distância estava o próximo local com "chão firme",...
...


Salve!
Sim, amigo Correia, eram mesmo destemidos.
E não era apenas a questão da orientação, não.

Quem já esteve sobre (ou próximo disso) uma nave autêntica daquela época (em Estocolmo há uma "preservadíssima" - de 1628 - O Vasa).



Sente "arrepios" só em pensar o que deveria ser encarar os oceanos naquelas tênues embarcações.


Como bem disse o Fernando Pessoa, em seu Mensagem.

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal! "

Abraços a todos!