Fiquei fora do ar por uns dias e ainda teclo daqui. Retorno amanhã. Foi uma viagem de vários dias com meu irmão mas, como sabem, passei um dia inteiro em Glashutte. Antes que perguntem: "Flávio, quando sai um texto nos moldes daquele que fez da Suíça?". A resposta é: se para escrever aquele (pesquisa) demorei 15 dias, e já sabia toda a história, imaginem partir do zero? Acho que irei demorar um mês para escrever algo, mas sai, agurdem, vou tentar resumir TODA a indústria em um texto gigante.
No geral, foi muito legal. Glashutte é uma cidadezinha minúscula, lembrou-me muito Le Brassus na Suíça. Os caras da Glashutte foram FODAS, é o mínimo que posso dizer. O René, relações públicas da empresa, natural de Dresden, morador de lá desde os tempos da cortina de ferro (cara novo, deve ter seus 35 anos NO MÁXIMO! Ouve até Death Metal!
) foi ultra antencioso. Buscou-nos no hotel em Dresden pontualmente às 9 da manhã de sexta feira, e olha que o cara nem mora em Dresden, mas numa cidadezinha ao lado com poucos habitantes, e havia acabado (na semana) de ser pai!
Depois de uns 40 minutos de carro, chegamos a Glashutte, local curioso: há a fábrica da Glashutte (um prédio até grande, com uns 5 andares), atrás a Union, na frente (e quando digo na frente é na frente mesmo) a Nomos, ao lado a Tutima. Tudo na mesma rua. Aliás, acho que a cidade só tem umas 3 ruas!
Ele e outro relações públicas ficaram conosco até 5 da tarde! Serviram almoço que, inclusive, nem era o normal na fábrica, que não possui cantina. Coisa de "patrão".
De manhã, visitei a fábrica. Coisas que notei: o trabalho de fabricação de platinas, peças em geral, é todo automatizado. O trabalho consiste em preparar as máquinas que, dependendo do trabalho (platinas, por exemplo), chegam a funcionar non stop por 72 horas para fazer um set completo. A preparação dura umas 4 horas, depois ela faz tudo sozinho, não dá para ver muita coisa. O controle de qualidade dos sets (aquele com aumento de imagem) é feito nas quatro laterais do set e na do centro (não em todas). É por amostragem, porque segundo ele me disse, os erros que podem ocorrem dizem respeito a mal alinhamento da tira de metal. Mas se as quatro do canto e do centro estão certas, ele disse que é impossível as outras não estarem, então não conferem. Disse que raramente dá algum problema, quando dá, tem que descartar tudo. O trabalho de 72 horas, então, é perdido. As máquinas foram feitas por encomenda na Suíça para eles.
A parte de polimento, essas coisas, é feita manualmente, em regra por mulheres. Aliás, fiquei feliz de saber que a maioria dos relojoeiros que lá trabalham foi formada na escola deles, que mantém no museu. Galera nova, com piercings no nariz, tatuagens, etc. Não os vi muito preocupados com o "como os caras" trabalham. Havia muitos relojoeiros trabalhando de bermudas, todos tatuados, etc, com exceção dos da área de montagem, que é toda manual, que usam jalecos.
Fatos sobre a Glashutte. Apenas o incabloc, rubis e escapamento (completo, balanço, mola, roda de escape) não é feita lá, mas pela Nivarox. Quando digo lá, digo em Glashutte, pois eles também não fabricam a caixa de seus relógios, quem faz é a SUG, uma fábrica só de caixas que fica...do outro lado da rua deles, mas que não é exclusiva para eles. Também fazem caixas para a Tutima.
O resto eles fazem em casa, inclusive as ferramentas que usam, inclusive grande parte das chaves de fenda (para não danificarem os parafusos).
Depois de visitar a fábrica, almocei por lá mesmo e pude experimentar no pulso toda coleção deles, menos o Julius Assman, que nem eles possuem, acho que tinha uns 100 relógios no mostruário, chutei que o troço todo custasse milhões de euros. Não estavam nem aí! Aliás, dado curioso: os funcionários usam relógios Glashutte, alguns até protótipos, como era o caso do René, que estava com um Senator Chronometer EM AÇO, que não existe na linha. Ele não tinha qualquer inscrição no fundo, diga-se. Mas eles não são donos dos relógios, devem devolvê-lo ao sair da empresa.
Por falar em sair da empresa, aqueles balanços trabalhados com gravação da Glahutte não são mais feitos por eles. Foram muito honestos com todas as perguntas que fiz (inclusive dizendo quais relógios da própria marca que não gostavam, a questão dos ebauches da Union, etc). Eles perderam o gravador há seis meses, porque ele estava de saco cheio de fazer os mesmos padrões nos relógios. Hoje eles subcontraram o trabalho de um gravador de Dresden e pretendem contratar outro para a fábrica, mas disseram que é muito difícil encontrar gravadores hoje que estejam dispostos a sempre repetir padrões e, como não estão dispostos a fazer o trabalho em máquina, subcontratam.
O setor de montagem é dividido em relógios "normais" (até cronos), onde todos fazem tudo e dividem o trabalho entre si. Chutei por alto uns 30 relojoeiros fazendo o trabalho. Segundo ele, gastam de 4 horas (o mais simples movimento) até 3 dias para montagem de cada (fazem 9000 relógios por ano e, segundo ele falou, não pretendem aumentar a produção).
Ao lado, porém, são feitas as montagens pica grossa, relógios complicados. Aí cada relojoeiro é responsável pela montagem desde o início de cada modelo. Ele me disse que nos mais complicados o cara chega a gastar até 4 meses, pois monta e remonta para ver se está certo. Nesse departamento também são testados os projetos. Aliás, vi um relojoeiro com um relógio que nem foi lançado no pulso, estava testando, pois fizera parte do projeto. Nas bancadas desses caras, há até esquemas gráficos dos movimentos, para eles não perderem o fio da meada. Havia uns 5 relojoeiros nessa área e, inclusive, uns dois bem novinhos, com uns 25 anos de idade. Perguntei como haviam ido para lá. Ele disse que qualquer um que se destaque na área normal pode ser transferido para a de movimentos pica grossa.
À tarde fiquei no museu da Glashutte que, diga-se, é o museu de relojoaria da Alemanha e os achei bastante honestos. Na verdade, o que se menos vê lá são relógios deles, muitos Langes que, afinal, foram aqueles que definiram a cultura de Glashutte. Havia o relógio mais complicado feito na Alemanha, mas cujo ebauche foi fornecido pela Audemars ainda nos anos de 1910 e, depois de um zilhão de modificações durante uma década, acabou como algo com umas 15 ou 20 complicações, um troço estilo os Pateks Graves, complicado PACAS! Saí de lá tarde, numa correria fodida, quase perco o trem, nem pude rodar pela cidade, comprei dois Nomos que já haviam reservado para mim na lojinha (aliás, a mulher não falava em inglês e havia escrito foneticamente em um papel como se comunicar comigo, uma comédia). Nem conferi os relógios, o que se mostrou um vacilo, pois em um dos Nomos que, sinceramente, ainda acho muito relógio pelo que custam, o mostrador inteiro está ligeiramente descentralizado. Acredito que na hora de apertar os parafusos que seguram o mostrador, um tenha sido apertado ligeiramente mais do que o outro e a folguinha que existe nesses lances (quem já desmontou um relógio saberá o que estou falando) manteve o mostrador um pouco descentralizado. Coisa mínima, na verdade eu não havia notado, meu irmão é que falou: cara, o escrito Nomos está impresso torto! Eu disse: não pode! E olhando atentamente, vi que não era o escrito, mas o mostrador inteiro parece um centésimo de milímetro girado para um dos lados. Mas vou deixar para lá, não vou abrir o relógio para ver isso, aliás, é presente para o meu pai, comprei o Tangente, meu pai é meio cego, para ele trouxe um Club, mostrador preto, números arábicos.
Algumas rápidas fotos, depois conto tudo em um texto.
Em primeiro plano, a Glashutte Original; fazendo parede com ela, à frente, a Lange; do outro lado da rua, a Tutima; o estacionamento onde está o carro preto é da Nomos, que não aparece na foto.
Departamento de montagem de relógios "tabajara" deles.
Uma amostra das caixinhas de relógios que experimentei lá. Só essa aí eu chutei que vale fácil uns, sei lá, meio milhão de euros. Só o primeiro relógio valia uns 100 mil!
Flávio