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Cronômetro de Marinha Hughes & Son

Iniciado por flávio, 28 Fevereiro 2021 às 13:14:31

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flávio

Há alguns anos, fui em um almoço na residência de um amigo quando notei, perdido em uma mesa, um cronômetro de marinha usado como objeto de decoração. Como o pai do amigo me contou, o cronômetro tinha pertencido ao seu pai, que era navegador da Marinha Mercante. Ao que parece, cada navegador possuía e confiava apenas nos seu próprio cronômetro, que levava a bordo como instrumento próprio de trabalho.

E tanto meu amigo como seu pai nunca tinham visto o troço funcionando, e sequer sabiam se estava em bom estado. Na época, já faz alguns anos (inclusive postei fotos aqui), perguntei-lhe: "posso olhar?". E o que vi foi um cronômetro em excelente estado de conservação, contendo, inclusive, o boletim de certificação e ajuste. Ao movimentar o giroscópio no qual se apoia, notei a lingueta de proteção da tirete de corda (algo que sequer sabiam que existia...), meti corda e... Voilá, depois de uns 60 anos parado, simplesmente voltou a funcionar, como se houvesse saído da loja. Na época, fiquei até emocionado.

Ontem, em uma visita a casa do meu amigo, percebi que seu pai havia lhe doado o cronômetro, que agora faz parte da decoração "modernosa" do seu apartamento (um contraste... Aliás, aqui em casa minha decoração também tem esses contrastes...).

Fato é que dei mais uma olhada no relógio e resolvi postar essas fotos.

O cronômetro, como já disse aqui quando o vi pela primeira vez, é de altíssimo nível, fabricado pela Hugues and Son de Londres. A empresa foi fundada em 1828 e construiu cronômetros para as marinhas do mundo, sobretudo a Britânica, desde então. Mas não só... Existe até hoje, infelizmente não mais como empresa totalmente britânica (foi comprada por um grupo alemão), e atua no ramo de... Adivinhem? Navegação, fabricando sistema de radar e telemetria para navios, sobretudo fragatas (a evolução de empresa pode ser vista aqui, clicando no lado direito "related people"

https://collection.sciencemuseumgroup.org.uk/people/cp58792/henry-hughes-and-son-limited

Não é demais lembrar a importância que esses objetos tiveram na evolução da cronometria. Para não repetir, lanço aqui o texto sobre o assunto que escrevi - como o tempo passou! - em 2005.

http://relogiosmecanicos.com.br/curiosidades/uma-visita-ao-observatorio-de-greenwich/


Algumas questões técnicas a serem ressaltadas neste cronômetro de marinha. O formato é "padrão", com o relógio protegido por uma caixa em madeira e apoiado em giroscópio, para manter-se na mesma posição, independente do movimento de balanço do navio. Numerais grandes, segundeiro bastante visível, frequência de 14400 bph, etc. O escapamento, claro, é o "detent", cuja explicação detalhada pode ser apreendida também através de um texto que escrevi há um bom tempo, aqui:


http://relogiosmecanicos.com.br/curiosidades/o-escapamento-de-cronometro/


É ressaltado, ainda, conforme se pode ver no mostrador, o uso de "compensação auxiliar". O que é isso? Os balanços destes cronômetros (e também dos relógios de pulso até meados dos anos 50...) eram feitos em dois materiais diferentes, em regra latão e aço. É suficiente dizer que, possuindo tais metais diferentes coeficientes de dilatação, à medida que a temperatura local variava, a frequência da oscilação do mecanismo, devido a esse tipo de construção, tendia a compensar a influência da temperatura sobre o relógio. E alguns cronômetros de marinha superiores não só possuíam esse sistema de compensação da influência da temperatura, como um adicional, para torná-lo mais preciso ainda. É o caso.

Outra coisa que dá para perceber pelas fotos é a utilização de contatos elétricos metálicos (vejam os fios). O que acontecia era o seguinte. O cronômetro de marinha era levado a bordo e aparafusado a contatos elétricos. A cada minuto, o circuito se fechava e a hora do relógio "mestre", no caso o cronômetro, era transmitida a todos os outros relógios do navio. Em suma, em um navio existia dezenas de relógios (eletromecânicos), que a cada minuto eram "ajustados" por um pulso elétrico proveniente do cronômetro de marinha, totalmente mecânico, apenas com um circuito adaptado que se "fechava" minuto a minuto, através de um contato localizado em uma roda O mecanismo de contato elétrico é mais ou menos isso aqui:

http://www.antiques-marine.com/chronometers/1272/

Mas o objetivo deste post e o mais interessante é a existência, ainda hoje, do certificado de ajuste e precisão. Afinal, a precisão do relógio determinava se o navio estaria no lugar certo ou naufragado após bater numa rocha...

O certificado foi emitido por uma tal "Guilherme Lopes Custódio, Reparação e Regulação de Chronometros de Marinha". Confesso que não pesquisei a fundo sobre esta empresa, mas ao que parece, não era brasileira, mas portuguesa. Se alguém tiver mais informações, agradeço...

E olhem as informações bacanas no certificado, totalmente escrito à mão. Há o ano e mês no qual foi reparado e o ano e mês no qual foi ajustado... E lembrem-se que na época não havia timers eletrônicos, ou seja, o ajuste de um relógio era tarefa demorada, pois tinha que ser feito de 24 em 24 horas, através da comparação com um relógio "mestre". Mas não só: em temperatura controlada. É o que também se pode verificar no certificado (ajustado a 28,5 graus). E finalmente encerra com o dado mais importante: ATRASA todos os dias 0.5 segundos. Ou seja, num cronômetro de marinha, os relógios mecânicos portáteis mais precisos já criados, assim como em todos os relógios, o que importa é a REGULARIDADE de marcha! Afinal, se o relógio atrasa ou adianta a mesma coisa todos os dias, basta colocar tal variação no cálculo de navegação, simples aritmética, que se encontra o valor "real" de variação do tempo. Não que 0.5 segundos ao dia sejam ruim, pelo contrário, não é: nem em sonho um relógio de pulso ATUAL consegue facilmente fazer isso. Mas faria pouca diferença se a variação indicada no certificado fosse de 1, 2 segundos... O que importa é que essa variação seja CERTA todos os dias.

E o certificado encerra, finalmente, com uma ORDEM: corda todos os dias! E numa hora exata (por questões de isocronismo): 9 da manhã!

Muito legal.


Flávio

flávio

Uma propaganda de época que achei agora...



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flávio

#3
Massa! Olha a discussão travada no passado aqui, no próprio fórum, basta digitar Guilherme custodio na busca, achei um comentário do Gravina.





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igorschutz

Você poderia ter tido um por BRL 3k, preço de Seiko.... perdeu!
Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
Opinião é como bunda: você dá a sua e eu meto o pau.

NÃO ACREDITE NO QUE 'FALAM' AQUI, ESTUDE BEM E TIRE SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES

flávio

Meu tesão por velharias, decoração e histórias de avô já foi ocupado por este trambolho aqui...



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Devenalme Sousa

Que história massa! É um bela peça esse cronômetro de marinha.
Ele está dando corda todos os dias agora? E a precisão continua boa?

flávio

Citação de: Devenalme Sousa online 01 Março 2021 às 23:48:20
Que história massa! É um bela peça esse cronômetro de marinha.
Ele está dando corda todos os dias agora? E a precisão continua boa?


Não, não dá corda todos os dias, não faz sentido: afinal, isso apenas colocaria estresse num mecanismo que está em perfeito estado. E não, provavelmente não tem precisão, até mesmo porque os lubrificantes do mecanismo já foram há muito: a última revisão é de 1956!

Um dado, porém. Os fabricantes de cronômetros de marinha, em certo ponto, foram os próprios responsáveis pela falência de suas empresas. É que eles faziam produtos tão bons, mas tão bons, mas tão bons, que a expressão "obsolescência programada" simplesmente não fazia sentido. Depois que o modelo "padrão" de cronômetros se estabilizou (escapamento de detenção Earnshaw), lá pelos idos de 1850, poucas inovações técnicas foram introduzidas (sobretudo no quesito compensação de temperatura e erro médio). Um cronômetro desta época, bem conservado, provavelmente funcionou em alguma marinha até meados do século XX...

Flávio

igorschutz

Citação de: flávio online 02 Março 2021 às 09:12:21
Um dado, porém. Os fabricantes de cronômetros de marinha, em certo ponto, foram os próprios responsáveis pela falência de suas empresas. É que eles faziam produtos tão bons, mas tão bons, mas tão bons, que a expressão "obsolescência programada" simplesmente não fazia sentido. Depois que o modelo "padrão" de cronômetros se estabilizou (escapamento de detenção Earnshaw), lá pelos idos de 1850, poucas inovações técnicas foram introduzidas (sobretudo no quesito compensação de temperatura e erro médio). Um cronômetro desta época, bem conservado, provavelmente funcionou em alguma marinha até meados do século XX...

Você sabe que esta sua hipótese está errada, vai! Sempre têm navios e capitães novos surgindo a cada dia, portanto, não faltaria demanda para este tipo de instrumento.

O que quebrou essas empresas foi ficarem paradas no tempo (ótimo trocadilho) fabricando o mesmo instrumento por décadas e décadas, enquanto a turma do transistor avançou com instrumento mais precisos e cômodos de se usar. Simplesmente não faz mais sentido utilizar um cronômetro mecânico, quando os aparelhos eletrônicos são tão melhores e igualmente confiáveis.
Opinião é como bunda: todos têm a sua. Você dá se quiser.
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flávio

Citação de: igorschutz online 02 Março 2021 às 09:45:48
Você sabe que esta sua hipótese está errada, vai! Sempre têm navios e capitães novos surgindo a cada dia, portanto, não faltaria demanda para este tipo de instrumento.

O que quebrou essas empresas foi ficarem paradas no tempo (ótimo trocadilho) fabricando o mesmo instrumento por décadas e décadas, enquanto a turma do transistor avançou com instrumento mais precisos e cômodos de se usar. Simplesmente não faz mais sentido utilizar um cronômetro mecânico, quando os aparelhos eletrônicos são tão melhores e igualmente confiáveis.


Igor, foi por isso que eu disse "até meados do século XX". Mas nem tanto assim... Basta lembrar que os cronômetros de marinha a quartzo surgiram já nos anos 60 e... Mesmo na 2a Guerra Mundial, apesar de toda parafernália eletromecânica existente, o que determinava posicionamento da Marinha (de Guerra e Mercante), era o bom e velho cronômetro Earnshawn, cujo design remontava de mais de 100 anos antes! E sim, é óbvio que a demanda por novos navios sempre existiu e sempre existirá, mas a construção de uma embarcação não é algo como um carro, feito aos zilhões. E havia a questão, como ressaltei, de o próprio navegador ter o seu próprio cronômetro, ou seja, ele carregava o seu instrumento de confiança até o navio. Eu comparo o cronômetro de marinha às HP 12 C que, mesmo numa era de super computadores, ainda é usada como padrão pelos operadores. E quem comprou uma nos anos 80 nunca a atualizou.

Ao fim e ao cabo, a realidade é que desde que Harrison "provou" como viável a realização de cálculos de navegação com relógio até o surgimento do GPS, pouca coisa mudou nessa seara. Sim, com a invenção do rádio e a transmissão da hora certa através de ondas magnéticas, o uso dos cronômetros de marinha se tornou redundante, mas de modo algum obsoleto. Aliás, o próprio GPS nada mais é do que um relógio (atômico) instalado em satélite, fazendo exatamente a mesma coisa que um navegador do século 18 fazia.

Outro dia eu li que as primeiras lâmpadas elétricas criadas por Edison estão em funcionamento até hoje, mais de 100 anos após terem sido instaladas. Isso ocorre porque o filamento era superdimensionado e nunca se quebrará por estresse térmico. A durabilidade das lâmpadas incandescentes num patamar de 1000 horas foi determinada pela indústria, senão eles não teriam para quem vender. E as próprias lâmpadas incandescentes, a tecnologia em si, só se tornaram realmente obsoletas (e proibidas...) há uns 10 anos. Eu acho que talvez seja uma comparação válida.

Eu gostaria de conversar com algum "vovô" das antigas que passou pela Marinha de Guerra ou Mercante para saber como eram de fato essas coisas no passado.

Flávio

igorschutz

Falando em lâmpadas, esses tempos eu tava mexendo na iluminação de casa e reparei que 90% das lâmpadas instaladas têm, pelos menos, 15 anos... daquelas dicroicas 12V com transformador, sabe?

Em contrapartida, na cozinha, onde converti tudo para LED com soquete E27 há menos de 2 anos, já troquei umas 5 lâmpadas... Detalhe: só compro lâmpada Osram, Philips etc.

Lâmpada incandescente é uma merda na eficiência, pois esquenta muito e consome bastante energia, mas, no meu feeling, na prática, são muito mais duráveis que as LED, que por sua vez custam muito mais caro!

Acho que dá pra fazer uma analogia com os cronômetros marítimos. Deve ser uma bosta navegar com eles se comparar com um equipamento, sei lá, Raymarine de ponta, porém, duvido que o Raymarine dure 50 anos, quiçá, 100 anos!
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flávio

Pois é... A tal Hensoldt, que era a tal Hugues and Son até ontem, parece que é referência nos sistemas de navegação militares atuais. Coisa de altíssima tecnologia... Passaram dos cronômetros mecânicos para isso:

https://uk.hensoldt.net/

Devenalme Sousa

Citação de: flávio online 02 Março 2021 às 09:12:21

Não, não dá corda todos os dias, não faz sentido: afinal, isso apenas colocaria estresse num mecanismo que está em perfeito estado. E não, provavelmente não tem precisão, até mesmo porque os lubrificantes do mecanismo já foram há muito: a última revisão é de 1956!

Um dado, porém. Os fabricantes de cronômetros de marinha, em certo ponto, foram os próprios responsáveis pela falência de suas empresas. É que eles faziam produtos tão bons, mas tão bons, mas tão bons, que a expressão "obsolescência programada" simplesmente não fazia sentido. Depois que o modelo "padrão" de cronômetros se estabilizou (escapamento de detenção Earnshaw), lá pelos idos de 1850, poucas inovações técnicas foram introduzidas (sobretudo no quesito compensação de temperatura e erro médio). Um cronômetro desta época, bem conservado, provavelmente funcionou em alguma marinha até meados do século XX...

Flávio

Se não tiver mais uma boa precisão, é uma pena. Se bem que não deve ser difícil revisar, não é? Pode ser revisado numa boa relojoaria, ou tem que ser por um especialista em cronômetro de marinha? Eu mesmo não deixaria uma preciosidade dessa parada!

flávio

#13
Se o relojoeiro for bom e curioso, o serviço é padrão. Mas se ele nunca houver mexido num, tem que saber o que está fazendo... Por exemplo, o escapamento de detenção não leva lubrificação...
Mas a realidade é que relógios que não vão ser usados, nunca usados, ficam melhor sem qualquer lubrificação... É assim que se faz nos museus: lava se todo o mecanismo e remonta se, sem qualquer lubrificante.

Flávio

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Devenalme Sousa

Citação de: flávio online 03 Março 2021 às 09:46:12
Se o relojoeiro for bom e curioso, o serviço é padrão. Mas se ele nunca houver mexido num, tem que saber o que está fazendo... Por exemplo, o escapamento de detenção não leva lubrificação...
Mas a realidade é que relógios que não vão ser usados, nunca usados, ficam melhor sem qualquer lubrificação... É assim que se faz nos museus: lava se todo o mecanismo e remonta se, sem qualquer lubrificante.

Flávio

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Entendi, Flávio. Obrigado.

Mateustosatti

Muito, muito show!

Aqui em Salvador, no Museu Náutico, que fica no Forte de Santo Antônio da Barra, mais conhecido como Farol da Barra, tem um cronômetro náutico de 1897.

Infelizmente não consigo anexar foto pelo tapatalk.
Instagram: RetratosBaianos

flávio

Citação de: Mateustosatti online 21 Abril 2021 às 18:32:50
Muito, muito show!

Aqui em Salvador, no Museu Náutico, que fica no Forte de Santo Antônio da Barra, mais conhecido como Farol da Barra, tem um cronômetro náutico de 1897.

Infelizmente não consigo anexar foto pelo tapatalk.


A anexação de fotos via tapatalk é muito simples, mas eventualmente tenho percebido alguns bugs, e olha que o meu é pago, o que permite foto em alta resolução: a primeira tentativa de postagem invariavelmente dá erro, e só quando tento de novo acontece...


Mateustosatti



Agora foi no tamanho não original.


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Instagram: RetratosBaianos

flávio

Numa rápida pesquisa, apesar de estar inscrito Knoblich (uma empresa alemã), e eu ter visto navios alemães da marinha de guerra usando cronômetros com esta inscrição, o modelo foi fabricado pela Kullberg, de Victor Kullberg. Aliás, o modelo de cronômetro acima que iniciou o tópico, salvo engano, usa um design de balanço de Kullberg.

Veja um modelo parecido aqui. Pelo número do que postou, parece que é do finalzinho do século 19, início do 20.

https://www.sellingantiques.co.uk/251520/marine-chronometer/#


Ps. Não pude deixar de notar que no cronômetro que bateu foto também tem um certificado de "terminação de óleos". Dá para ver a data?