Gosto sempre de repetir essa história envolvendo o Walt Odets, porque esclarecedora. Para quem não conhece o cara, ele era o contribuidor técnico do Timezone nos seus primórdios, até o início dos anos 2000. Walt era relojoeiro hobbista, mas com uma oficina de fazer inveja a qualquer autorizada (aliás, nem se comparava, era muito melhor) e conhecimentos técnicos idem. O cara era foda. E foi ele quem começou essa história de dissecar relógios e explicar nos primórdios da internet, utilizado o novo canal, a como separar o joio do trigo. Seus artigos foram um marco nesses novos tempos e... De uma hora o cara sumiu da internet e dos meios ligados à relojoaria, sem que soubéssemos o porque.
E tudo começou com um e mail à JLC (e olha que ele sempre enaltecera a JLC) procurando uma peça para um reparo de um dos seus relógios, cujo custo de cópia no torno (sim, ele torneava) era proibitivo. A JLC, evidentemente, não só não lhe vendeu a peça com disse que para instalá-la ele precisava mandar o relógio para revisão que, pasme, ele faria muito, mas muito melhor do que qualquer relojoeiro autorizado da marca.
O Walt, nessa época, possuía dezenas de relógios, e todos top de linha, basicamente Pateks e Vacherons, que ele admirava o acabamento.
Depois dessa, Walt decepcionou-se tanto com a indústria que vendeu todos os seus relógios e ficou com apenas 5. Na mesma época, ainda, o timezone começava a adquirir um viés comercial e foi a gota d´água: ele desligou-se totalmente da relojoaria e hoje é difícil até mesmo encontrar referências a ele nesta área no Google, só mesmo na psicoterapia que o fez rico.
E aí mais uma vez chego à minha pessoa...
Há algum tempo li um livro, chamado " A Time to Change", que abordava os desafios das empresas para o futuro, sobretudo como conquistar novos consumidores (o livro é de 2009). Um dos temas abordados e encarados com calcanhar de Aquiles era o pós venda.
De fato, o pós venda, e as empresar parecem estar dando tiros no pé para o médio prazo, é o calcanhar de aquiles.
Imaginem um incauto que, querendo tirar onda, adquira seu primeiro Rolex, sem saber muito bem onde esteja se metendo. Cidadãos como um colega meu que há algum tempo adquiriu um sub, este parou e ele ligou puto para mim dizendo que "a bateria já havia terminado". Imaginem esse cara, depois de usar o relógio uns 5 anos, e este apresentando um defeito, vindo a descobrir que terá que remeter seu bem para São Paulo, eis que inexistente assistência técnica na sua cidade, depois tendo que esperar meses para o reparo e, pior, tendo que pagar 2000 a 3000 reais numa revisão.
Vocês acreditam sinceramente que este cara irá comprar outro relógio da marca? É claro que não... Aliás, vocês acreditam que o cara irá reparar o relógio? Digo isso porque o que mais conheço são pessoas que adquiriram relógios caros num passado não tão distante e, depois que apresentaram defeitos e descobriram quanto iriam gastar para tê-los funcionando de novo, simplesmente os jogaram esquecidos numa gaveta.
. Eu sabia desde o princípio onde estava me metendo. Bem, você sabe, mas acha que "certas coisas" nunca vão acontecer...
Cada relógio que você possui que para ou começa a apresentar comportamento errático é uma dor de cabeça em potencial, não só pelos custos, mas pela qualidade do reparo, que SEMPRE deixa a desejar, ainda que feito nas melhores oficinais, custa CARO PACAS, devido à inexistente concorrência QUE AS PRÓPRIAS MARCAS CRIARAM ao massacrar o relojoeiro independente mas, principalmente, prazos. Ora, ninguém quer que um relógio fiquei meses parado numa autorizada esperando peças chegarem da Suíça ou de onde quer que venham.
E isso é um tiro no pé dado pelas próprias empresas. Assim como o incauto pode passar a não mais querer saber dessa história de relógios mecânicos, o entendedor também, como, por exemplo, o fez um dia Walt Odets.
Sou exemplo disso. Já faz uns dois anos que prometi que NUNCA mais compraria um relógio mecânico. O último foi um Zenith El Primo e, mesmo assim, porque a negociação foi fechada enquanto eu estava bêbado e com os freios inibitórios mais frouxos. Caso contrário sequer teria cogitado comprá-lo. E comprei um Sinn há um ano não porque queria, mas porque vendi um Tissot e a grana entrou, como se fosse uma troca. Tenho convicção plena que, depois do RM4, por motivos óbvios sua aquisição, NUNCA mais comprarei relógio algum.
Ou seja, nessa tacada as empresas perderam não um consumidor de Rolex que comprava um modelo em toda sua vida, mas um que em dez anos comprou 4!
Não há nada mais desagradável do que lidar com fábricas, assistências, seus preços e políticas difíceis de serem explicadas para o consumidor.
O que aconteceu desta vez para eu estar PUTO PRA BARALHO mais uma vez? Meu Ebel E Type, que já apresentava um comportamento errático precisando de revisão que, diga-se, eu não ira fazer NEM A PORRETE, perdeu um parafuso de bracelete. Coisa normal de acontecer, afinal, braceletes são coisas móveis e, se os parafusinhos não estiverem com Loctite, soltam mesmo. Um dos meus, de conexão bracelete à caixa, simplesmente soltou-se e foi cair no triângulo das bermudas da via pública.
O que pensei na hora? Foda-se. Isso para a Ebel é o "spring bar" de 5 reais dos relógios que o usam, deve lhe custar uns dois centavos de franco (estamos falando de um parafuso FODIDAÇO, não polido, coisa de cents mesmo). Amanhã mando um mail para eles e me remetem esse parafusinho que, afinal, é coisa que se desgasta mesmo, não é uma peça de interior de movimento.
Não sei porque pensei nisso... As coisas nunca são fáceis assim.
Fato é que, depois de uma EMBROMAÇÃO do caralho de emails, os putos da suíça me direcionaram para a assistência dos EUA, porque aqui não existe. Porra, para que me direcionar para a assistência dos EUA? Esses caras não sabem que América do Sul é uma coisa e do Norte outra, separadas por uns 10 mil km?
Então, o lazarento da assistência americana pediu para que eu lhe enviasse a referência do parafuso. Ora, é óbvio que eu não sabia a referência do parafuso. Mandei, então, uma foto do relógio e do parafuso que queria, tendo o fulano me respondido que o pedido deveria ser feito via telefone dos EUA (
??) e que a remessa, qualquer peso que fosse, custaria 60 dólares.
Mandei, então, outro e mail e falei que podiam enviar-me em carta normal, pois tratava-se de um maldito parafuso de um centavo. Resposta? Ligue no número tal com a referência para podermos ver se tem o parafuso...
Porra!
Eu então simplesmente mandei um e mail desaforado para a Ebel Suíça, de novo, basicamente contando o que falei aqui, em inglês tosco e raivoso.
Não gente, não dá....
Alguns irão dizer que não é obrigação de fábrica alguma enviar parafusos de graça para o consumidor. Correto, mas cobrar 60 dólares, ou seja, 250 reais só pelo envio do parafuso também não é. E muito menos esse jogo de empurra para assistências técnicas de outros países, sendo que a própria fábrica deveria resolver o problema.
Relógios mecânicos caros são bens duráveis como, aliás, eu falo na página inicial do site mãe? Não, não são... A experiência DESAGRADÁVEL de lidar com as fábricas fez com que eu fugisse como o diabo da cruz do hobby. Ainda leio muito e curto o tema, mas TER O BEM? De movo algum, o ter não compensa a aporrinhação, eu NUNCA mais vou comprar relógio algum, e para quem adquiria um por ano, imaginem a perda para as empresas?
Finalizando. Eu vou fazer uma coisa desta vez que nunca fiz antes, mas não sou de fazer promessas e não cumpri-las. Se a Ebel, agora, não me enviar esse maldito parafusinho de bracelete que me impede de usar o relógio, E DE GRAÇA, pois agora nem se eu tiver que pagar o envio através de barco a remo, sendo cobrado um dólar por isso, eu não quero, irei remeter o relógio para a fábrica com um sonoro: enfiem essa joça no toba, já não me serve mais.
Porra, é claro que as empresas não são entidades de caridade para enviarem peças de graça por aí, mas um parafuso de bracelete que se perde mesmo, por mero uso? Não, não consigo entender... E querer cobrar 60 dólares num envio? Nem um parafuso sextavado de ouro de Audemars Piguet custa isso, quanto mais um troço fodido de aço sem polimento.
Flávio